Ao longo dos 20 anos, o BE tem como aliados quem luta pelas emancipações e pelo progresso, enquanto coleciona "inimigos poderosos" na elite financeira, o que para a coordenadora bloquista, Catarina Martins, é "o melhor" do percurso construído.
Passam hoje duas décadas desde a assembleia de fundação do Bloco de Esquerda (BE), mas a data só vai ser assinalada pelo partido em 9 de março, com um comício comemorativo no Mercado de Culturas, em Lisboa, juntando os fundadores Francisco Louçã, Luís Fazenda e Fernando Rosas, Catarina Martins e a eurodeputada Marisa Matias.
O BE nasceu em 1999, mas só volvida mais de uma dezena de anos, em 2010, é que a atual líder do partido se tornou aderente, já depois de ter sido eleita, pela primeira vez, deputada independente nas legislativas de 2009.
"Tenho dito sobre estes 20 anos - e acho que isso é o melhor que nós temos e que fomos construindo - que, neste caminho, o Bloco de Esquerda tem como aliados as pessoas que fazem as lutas pelas emancipações, pelo progresso do país, as lutas do trabalho, aquilo que tem o melhor de quem luta por mais justiça, mais dignidade para toda a gente", enaltece Catarina Martins, em entrevista à agência Lusa.
Mas, se o partido fez amigos, Catarina Martins sabe que também colecionou - "e ainda bem" - "inimigos poderosos, nomeadamente nos grandes grupos económicos e numa elite financeira".
"Quando o Bloco nasceu foi o partido que começou a chamar as coisas pelos seus nomes próprios e que esteve ali a explicar ao país todo como é que funciona a porta giratória entre o poder económico e o poder político, o que é o privilégio, o que são setores rentistas. O Bloco trocou esses conceitos muito por miúdos", destaca.
Por dizer "as coisas como elas são", o BE "cria um enorme desconforto nessa elite", um incómodo que a líder bloquista também perceciona que é provocado no PS uma vez que este "gosta de se chamar a si próprio de partido de esquerda e gosta de ser portador dessa modernidade", mas sempre "teve uma política de centrão".
Apesar de ainda não ter aderido ao partido nessa altura, foi com o BE que Catarina Martins se manifestou contra a guerra do Iraque - um dos primeiros protestos da sua filha primogénita ainda "muito bebé" -, tendo estado de novo junto do partido na campanha pelo "sim" no referendo à interrupção voluntária da gravidez.
"Na altura de todas as manifestações contra a Guerra do Iraque [2003] tentei aderir ao BE e enviei um pedido de adesão a que nunca ninguém respondeu. Nada. Até hoje esse pedido ficou perdido", relata, em tom de brincadeira.
Os partidos que deram origem ao BE - PSR, UDP e Política XXI, entretanto extintos - "eram já o meio político" no qual Catarina Martins se movimentava, tendo, aliás, no pai um dos 248 subscritores do "Começar de Novo", que permitiu a fundação da força política.
"Ainda bem que aqueles partidos pequenos se juntaram porque nenhum de nós sabia porque é que naquela altura eles eram partidos diferentes quando era preciso juntar as vozes e organização à esquerda", observa.
A líder bloquista considera-se "prova" dessa necessidade já que admite que "não seria parte de nenhum dos partidos que deram origem ao Bloco", apesar de o Bloco ser o seu "espaço político desde sempre".
O BE foi assim a "casa" para aqueles que estavam "órfãos de espaço político", pessoas que "eram de esquerda e que, portanto, nunca seriam do PS" ou que "não eram conservadoras e, portanto, o espaço do PCP, que é uma esquerda conservadora, nunca seria o seu espaço".
"O Bloco de Esquerda não é um espaço novo, é a expressão de um espaço que já existia e que sempre existiu", simplifica.
Do tempo do arranque do partido, Catarina Martins lamenta a "pouca visibilidade às mulheres e aos movimentos feministas" uma vez que o BE "é o primeiro partido que chega ao parlamento afirmando-se como feminista", recorrendo à história para lembrar que o primeiro projeto de lei que os bloquistas apresentaram, ainda só com Louçã e Fazenda como deputados, foi sobre violência doméstica.