Há quem já lhe chame o "Natal leaks", há quem se refira a elas como o "Pai Natal Papers". O Jornal de Notícias voltou a ter acesso às cartas que os líderes dos principais partidos escreveram ao Pai Natal. Uma lista secreta de presentes para eles e para os adversários que nem à família mostraram. Entre pedidos obtusos e irreverentes, e outros mais terrenos e fofos, fica evidente que o altruísmo que os políticos portugueses projetam de forma lustrosa durante 51 semanas não se materializa nos dias do ano em que os nossos corações deviam convergir numa morna e harmoniosa corrente subterrânea de amor.
Marcelo Rebelo de Sousa
Bom, este ano, como só completei 70 primaveras, estava a pensar em algo fora da caixa. Da caixa de ressonância mediática, claro. O que eu queria mesmo, sabes, Pai Natal, era silêncio. Há dias em que se torna penoso ouvir o presidente da República falar sobre tudo quando chego a casa à noite. Embora eu até concorde com ele. O comentador em mim diz: "Modera-te, Marcelo". Mas o presidente em mim contrapõe: "Comenta, Marcelo, Portugal está à espera que digas alguma coisa". Eis a minha lista.
Gostava de fazer uma Presidência Aberta com os portugueses que não vão votar em mim nas próximas eleições, no sentido de perceber a fundo as suas razões e tentar chamá-los à normalidade. Como cabem todos no banco de trás do meu Mercedes, podíamos ir no mesmo carro, poupando esforço ao erário público. É uma dúvida que me inquieta: será que estes três cidadãos não veem televisão, não ouvem rádio nem consultam jornais? Não só me inquieta. Consome-me o sono.
Algo que me orgulhava sobremaneira era poder ver, neste Natal, todos os partidos sentados à mesa a discutir o futuro do país. Eu ofereço o espaço, o Jerónimo podia levar as bifanas picantes da Festa do Avante, a Assunção traz os militantes da JP para pôr música, a Catarina leva as manas Mortágua para irritar a Assunção, o Rio abre a festa com um show-case de bateria e fechamos tudo com um número de biodança a solo (passe a redundância) do deputado do PAN. Numa ponta da mesa fico eu, na outra fica o António Costa. Quem conseguir aguentar mais tempo sem se rir do nosso otimismo irritante ganha um difusor com óleo de alfazema. Consta que as suas propriedades relaxantes ajudam a reduzir os níveis de ansiedade. Em 2019, com eleições legislativas, europeias e regionais, o mais provável é precisarmos todos.
Por último, e correndo o risco de soar um pouco a Miss Universo, desejo ardentemente a paz no Mundo, em particular na sede do PSD, mas também o fim de todos os populismos, os quais geram movimentos extremistas e perigosos. E quando digo isto não estou a pensar nos coletes amarelos portugueses. Até porque ficou provado que nunca deu bom resultado imitar os franceses. Veja-se o que aconteceu ao Tony Carreira.
António Costa
Está mais ou menos na cara o que eu quero, caro Pai Natal. E só tem duas letrinhas: maioria absoluta. Apenas não me atrevo a pedi-la já porque ainda há quem ache que eu realmente me aliei ao BE e ao PCP por imperativo patriótico e não porque queria dar com a porta na cara do Passos Coelho e ficar quatro anos a rir-me disso todos os dias. Mas há outras coisas que eu gostava de receber ou de dar.
Se fosse possível guardar num frasquinho o ar irrespirável que por vezes se sente nos Conselhos de Ministros quando o Centeno leva a tesoura das cativações era ótimo. É o tipo de objeto que adoraria ter numa cómoda de S. Bento. Com a seguinte inscrição: "Os magros duram mais tempo - os cidadãos e os orçamentos do Estado".
Gostava de oferecer ao meu amigo Rui Rio o álbum "O monstro precisa de amigos", dos "Ornatos Violeta". Porque ele não merece o que lhe andam a fazer. E o monstro aqui é o PSD, não ele. Ao Rui dedicava-lhe a música "Ouvi dizer", que tem aquela passagem épica na voz sussurrada do Victor Espadinha. Com uma letra adaptada à letargia em que chafurda a Assunção Cristas. Ficava assim: "A Oposição está deserta, e alguém escreveu o teu nome em toda a parte: nas casas, nos carros, nas pontes, nas ruas. Em todo o lado essa palavra repetida ao expoente da loucura! Ora amarga! Ora doce! Para nos lembrar que a cegueira política é uma doença, quando nela julgamos ver a nossa cura!". Bonito, não é?
Por fim, era capaz de oferecer à Catarina e ao Jerónimo um álbum ilustrado de memórias da "geringonça". Não punha era fotos nossas. Usava imagens da ida do homem à Lua, da eleição de Donald Trump nos EUA, da transferência da Cristina Ferreira da TVI para a SIC e do bicampeonato do Rui Vitória. No fundo, acontecimentos que, tal como a longevidade do atual Governo, ninguém era capaz de prever.
Rui Rio
Pai Natal, antes de mais, gostava que o F. C. Porto fosse novamente campeão nacional. Hahaha, gostava nada, estava na galhofa! Toda a gente sabe que sou do Benfi... do Boavista desde pequenino. Bem, como não estamos em época de gastar o que não temos (oh Diabo, tu queres ver que baixou aqui o espírito do Passos?), quero pouca coisa. Embora seja muito fácil deixar-me contagiar pela ideia do António Costa de que o dinheiro jorra das pedras. Cá vai a minha lista, enxuta e ao mesmo tempo revolucionária. Que é como eu sou.
Dois garrafões de 30 litros com água benta, a ver se extermino, com um banho de ética, o dom da ubiquidade da bancada do PSD. A água deve ser benzida pelo bispo do Porto, mas convém que seja salgada e proveniente do mar gelado de Moledo. Faz-lhes bem o choque térmico. Se mesmo assim não resultar, podes trazer-me um GPS minúsculo que vi há dias no carro de um amigo, que o usa para controlar os passos da mulher. Não que ela o engane, ele é que gosta de saber onde é que ela está o tempo todo para se afastar o mais possível com compromissos inadiáveis.
Além disto, adorava ter uma central de controlo na São Caetano à Lapa cheia de televisores com mapas para seguir as pisadas de todos quantos no PSD me querem apunhalar pelas costas. Isto porque as três pessoas da minha direção que ainda não o fizeram já estão "protegidas" com um chip intracutâneo na zona do cachaço. Ou pensas que não aprendi nada durante anos a fazer peito aos Superdragões? E quem não salta...
Em último lugar, gostava de oferecer um calendário ao meu amigo António Costa. Não de 2019, que esse ano vai ser de má memória para ele, dado que vai espalhar-se nas legislativas, mas um de 2018. Para ele tomar nota de todas as asneiradas do Estado. Dos incêndios, ao INEM, de Borba ao vendaval na zona Centro. Sem esquecer, claro está, os três vizinhos de uns primos do Carlos César que foram contratados para assessores jurídicos de uma junta de freguesia do PS por intermédio de um motorista que costumava dar boleia à nora.
Catarina Martins
Se estás lembrado, Pai Natal, no passado, insurgi-me contra o facto de não haver uma Mãe Natal. Pois este ano preocupa-me mais que continues a ser um precário do Estado, a quem o António Costa prometeu tudo e depois não deu nada, do que as questões do género. Como agora somos um partido de poder e de especuladores imobiliários, sofisticámos o megafone.
Deixa-me perguntar-te: há alguma coisa mais romântica do que cozinhar a dois? E quem diz cozinhar a dois diz partilhar pastas do Governo... Quando eu afirmei "não pensem que se livram de nós", estava a falar a sério, senhor primeiro-ministro. Por isso, Pai Natal, peço-te uma mala de viagem vazia. Para poder enchê-la com os sapos que o BE teve de engolir para aprovar quatro orçamentos de cegueira orçamental e esquecermos o passado que já lá vai. Fumar é uma coisa, inalar é outra.
Uma régua vinha mesmo a calhar. Imagina para quem. Claro. Para o meu querido António Costa poder medir o seu índice de popularidade, que atingiu o pior registo, e fazer o mesmo com o do Bloco, que continua na direção do céu. Porque isto de dizer que a "geringonça" morreu já está mais fora de moda do que os risquinhos de vinagre balsâmico nos pratos de autor. Além do mais, eu acredito tanto na vida além da morte como na possibilidade de o PCP querer mesmo ser Governo. Falta-lhes panache. E mais jornalistas amigos.
Para finalizar, Pai Natal, gostava de ter uma caixa de música clássica que se ligasse automaticamente de todas as vezes que a Assunção Cristas se cola aos populismos. Não suporto ouvir aquele radicalismo, ainda por cima vindo de alguém que consegue ter uns olhos ainda mais ternos do que os meus na televisão. E isso é perigoso, porque há cada vez mais pessoas a ver o desenrolar do Mundo com o som do televisor no mínimo. Marisa Matias, onde andas tu quando mais preciso de ti?
Assunção Cristas
Meu santo Pai Natal, vou direta ao assunto: a paz no Mundo é importante e tal, mas antes disso quero ser primeira-ministra. Por isso, tenham paciência, meninos famintos do Sudão do Sul. Podes entregar o cargo cá em casa ou tenho de ligar a um daqueles precários que andam de motoreta a distribuir hambúrgueres gourmet? Aproveita e faz um embrulho bonito, em tons dourados e azuis. Nada de vermelho, Deus me livre. Eis a minha lista, que me forra o coração de júbilo.
Um novo escândalo à la Robles para arrumar de vez com as manas Mortágua. Já não as suporto: gozam comigo no Parlamento de cada vez que ensaio a pose de estadista para impressionar os meus colegas machos que exultam com touradas. Bom mesmo era espalhar no Facebook que elas têm um T5 duplex na zona da Expo para alojamento local a 500 euros por dia. E que está em nome de uma offshore nas Ilhas Caimão. Depois culpávamos um site com sede na Suazilândia e lamentávamos em conjunto a proliferação das fake-news na arena mediática portuguesa.
Depois, e para não dizeres que sou um ser humano ruim, gostava de te pedir um presente para o António Costa, que eu considero e respeito (sais de frutos...). O livro "O Nexo de Causalidade na Responsabilidade Delitual", de Rui Soares Pereira. Consta que é uma pérola do Direito Civil. A ver se, de uma vez por todas, o primeiro-ministro assume a responsabilidade pelas tragédias que têm atingido o país durante o mandato da "geringonça". E não estou obviamente a incluir nesse lote de desastres públicos a nomeação da Graça Fonseca para ministra da Cultura nem a ida do João Galamba para a secretaria de Estado da Energia (o que eu me ri, Pai Natal, o que eu me ri).
Depois, para o Rui Rio, a edição alemã de "O deserto", de Eça de Queiroz, para ele ter uma noção do que o espera na Oposição até eu chegar a S. Bento, se e quando Deus quiser. E, para terminar, pedia-te o livro "Hugo Chavez, o espetro", de Leonardo Coutinho, para oferecer ao Jerónimo de Sousa, com a seguinte dedicatória. "No regime do país que vocês no PCP ainda defendem, o preço deste livro equivale a um salário mínimo que dá para alimentar várias famílias. Isto, claro, se ainda houvesse dinheiro para salários mínimos e alimentos para alimentar famílias". Se ele vier no meu encalço com o "O Capital" do Marx em riste, atiço-lhe o Jaime Marta Soares, que tem o condão de atrair para si qualquer impulso momentâneo de raiva que nos invada.
Jerónimo de Sousa
Já to disse há uns tempos, velho das Barbas capitalista. A forma comunista como tratas por igual todas as criancinhas é a única razão que ainda me leva a escrever-te. Isso e o facto de não querer ficar para trás na mise-en-scène do poder. Já me basta as "engraçadinhas" do Bloco a quererem usurpar todas as boas ideias de Esquerda deste Governo. Vê lá tu que agora até já recorrem às chalaças ribatejanas que só o João Oliveira e eu sabíamos transformar em títulos de jornal. A lista aprovada pelo Comité Central determina o seguinte.
Um compromisso escrito entre o Mário Nogueira e o PCP de que jamais em tempo algum a Fenprof vai sucumbir ao crowdfunding para poder amparar os efeitos das 432 greves previstas para 2019. Em ano de eleições é que o PS vai ver o que é bom para a tosse. Além do mais, quem quer parar de trabalhar para protestar tem de jejuar no salário. Agora lá essas modernices......
Um lugar anual no Campo Pequeno, mas numa zona do recinto longe dos marialvas do CDS, que só gostam da tourada porque é chique aparecer na televisão com a camisa desapertada até ao umbigo por baixo de blazers azul-marinho com botões dourados. A tourada, para nós, é uma questão cultural. Quase filosófica. E dá de comer a uma série de gente que ainda vê no PCP a possibilidade de poder continuar a espetar bandarilhas a sério no lombo do bicho, e não umas imitações de velcro. De velcro, camaradas. Sinceramente.
Para terminar, gostava de trocar de carro. Estou cansado do Datsun amarelo de 1973 que o partido me impingiu. Quero um Smart só com dois lugares. A partir de 2019, a Geringonça 2.0 será resultado do que eu e o António Costa definirmos. Parece que já estou a ver-nos, a passear pela marginal de Lisboa, a discutir a saída da NATO e a renegociação da dívida, enquanto a Catarina pede boleia na berma. E eu: "Desculpe, menina, mas este carro só tem capacidade para dois decisores políticos".