25 anos após o lançamento do polémico romance Psicopata Americano, Bret Easton Ellis confessa ao DN que o protagonista era totalmente inspirado em si. Salvaguarda: "Só não matei mulheres."
O escândalo em torno do romance Psicopata Americano foi grande em 1991 e 25 anos depois Bret Easton Ellis revela ao DN o lado escuro da sua vida que inspirou o livro e a raiva em relação à censura que o jornal New York Times lhe fez. Bret está a viver em Los Angeles e aceita falar sem rodeios, apesar de a agente ter exigido não o irritar com um certo tipo de perguntas. Não é o que se vai passar, o escritor até se diverte quando se comenta a omnipresença de Donald Trump no livro e de como a censura jornalística evitou que ganhasse milhões de dólares.
A reedição em Portugal de um dos romances mais polémicos do início dessa década explica esse tempo com o poder das cores do verde das notas de dólar e o vermelho do sangue das vítimas de um insaciável corretor da bolsa de Nova Iorque em ascensão. Hoje, quando a editora Marcador lança Psicopata Americano ninguém se enerva com o seu conteúdo, até porque as previsões realizaram-se todas. A loucura dos yuppies de Wall Street desaguou na crise do subprime de 2007, a cocaína vulgarizou-se, o consumismo das marcas espalhou-se pelo mundo e nem a atividade como serial killer de Patrick Bateman já surpreende os leitores. Mas, naquele tempo, nada foi assim e a editora inicial desistiu de publicar o livro ao alegar questões morais. Uma situação que até hoje, nota-se nas respostas, o enerva solenemente.
A nova tradução de Hugo Gonçalves sucede à de Ribeiro Fonseca, mas as palavras obscenas, o n..o pelo desinteresse dos sem-abrigo em ganhar a vida, o sexo pago e recheado de descrições inéditas e nunca tão explícitas até então senão em literatura pornográfica, e tudo o mais que um cartão de platina permitia aos do mundo da alta especulação bolsista. O romance até devia ter um link para o ano de 1991, para que o leitor atual percebesse aquele tempo em que a América se confrontava com os piores fantasmas.
"Até gostava que o culto com este livro fosse maior para ganhar mais dinheiro"
Na edição da Teorema de 1999, escrevia-se inocentemente na badana que "Psicopata Americano é um romance tão profundamente moral como necessariamente repugnante". Que era uma "comédia negra, um retrato perturbante de um louco, uma condenação subtil do comportamento notório dos anos 80 e um pesadelo grotesco de assassínio e loucura." Frases feitas para um romance que demorou 8 anos a chegar a Portugal e quando isso aconteceu ainda fez um escândalo dos diabos. Como em todo o mundo, instalou-se a controvérsia e Bret Easton Ellis ficou com a marca de autor maldito, da qual nunca mais se livrou. Que se colou à própria vida do escritor, pois jamais repetiu o êxito do romance Psicopata Americano.
É estranho ver como Patrick Bateman é um grande fã de Donald Trump. Tinha alguma bola de cristal para prever futuro do atual candidato presidencial?
É verdade que é tudo muito estranho. Se me tivessem dito em 1991, quando o livro saiu, que Donald Trump seria nomeado para a corrida presidencial e que Patrick Bateman seria a estrela de um musical em exibição na Broadway, ter-lhe-ia respondido que era maluco. Que isso nunca aconteceria! Mas foi a realidade. O que me faz pensar que um escritor pode ser um visionário.
Quem era Patrick Bateman?
O Patrick é o resultado de eu estar naquela altura deprimido por me tornar um homem numa sociedade com a qual não concordava, tanto nos valores como no comportamento. Além de que sentia-me perdido em Manhattan, bem no meio dessa confusa realidade em que vivíamos. Então, compreendi que tinha duas soluções: adaptava-me aos valores ou escondia-me numa gruta. Só que toda a gente estava ao lado dessa sociedade com valores terríveis e a que eu não me adaptava. O sonho americano deixava as pessoas loucas.
E onde entra Trump nisto tudo?
Donald Trump é uma outra história, de quem poderíamos falar horas e não chegar a lado nenhum.
Está receoso com a possibilidade de Trump vir a ser presidente?
Não, não estou com medo. Honestamente, nem gosto que o tentem destruir e a imprensa americana deveria ter vergonha por estar a distorcer a sua campanha. Até posso não concordar com muitas das suas políticas, mas detesto que destruam o seu pensamento. Acho que é um liberal e um democrata nova-iorquino e não um conservador, por isso será muito interessante ver o resultado destas eleições. Além de que estou preocupado quando os democratas dizem que a Hillary Clinton vai ganhar porque é uma coisa em que não acredito. Nem pensem que está garantido, deveriam estar antes muito atentos pois a distorção que se faz de Trump - de quem não sou um fã - só mostra o que a comunicação social faz deste país.
A vida posterior do livro Psicopata Americano é inesperada. Achava que o seu retrato do capitalismo desenfreado de Wall Street iria manter-se 25 anos depois?
Gostei de ler a nova crítica que saiu no New York Times há dois meses, porque na altura esse jornal fez de tudo para matar o meu livro. É o mesmo que fazem ao Donald Trump agora, sempre com muitas mentiras. A crítica que então publicaram tinha como título "Não comprem este livro". Era uma prioridade destruir o romance, que mudou radicalmente com a reapreciação do livro nesta nova crítica. Talvez fosse um livro antes do tempo e da crise das instituições que eram adoradas. Previ aquilo tudo, mesmo que agora pareça tão previsível.
Até na violência social e sexual?
Cresci com bandas desenhadas, os comic, e filmes muito violentos. Quanto à violência no Psicopata Americano, ela não passava de uma questão estética no romance. Até o New York Times considera que a atualidade ultrapassa a do romance. Basta ver a galeria de personagens com que convivemos e que demonstram o lado negro da humanidade, como era o caso de Toni Soprano ou Hannibal Lecter. Em 1991, Patrick era uma novidade para a qual as pessoas não estavam preparadas. Não o percebi.
Como é que aparece Patrick. De repente ou fruto de investigação?
Foi muito fácil porque muito dele era baseado em mim. A única investigação foi sobre o estilo de vida dos jovens de Wall Street e como se fazia tanto dinheiro em 1986. Só que eles não me explicavam nem me convidavam para ir aos seus escritórios, só me admitiam nas festas e restaurantes, ou a exibirem as suas namoradas, os seus apartamentos e as suas aparelhagens de música. Então, percebi que Patrick ia ser assim, sobre um estilo de vida. Quando percebi como eles eram, o livro estava montado.
Os de Wall Street mudaram?
Nunca fui amigo deles, apenas me deixaram vê-los. Desconheço o que lhes aconteceu.
Aonde foi buscar as ideias económicas que o Patrick pensa?
Quando leio o livro a única certeza que tenho é que era uma influência do que dizia Trump. Ou seja, posso dizer que Patrick era eu e as suas ideias as de Donald Trump.
O que há em Patrick de autobiográfico. Matou alguma mulher?
Não. Fiz de tudo, só não matei mulheres!... No entanto, escondi sempre o que está na origem do romance - nunca disse que o Patrick era eu durante 20 anos. Agora, estou confortável para explicar que refletia muito do que eu era num romance alucinado que retratava uma personagem confusa e muito próxima de mim. Era a satisfação masculina a qualquer preço.
O editor que cedeu à pressão e não publicou o livro arrependeu-se?
O meu primeiro editor não recusou, foi a indústria que o fez. A editora (Simon & Schuster) era propriedade de grandes empresas e foram elas que decidiram não publicar. O Psicopata foi uma vítima não do editor mas da indústria de livros. Ele explicou-me isso na altura, o porquê de me porem borda fora. O que nunca aceitei foi a crítica do jornal e gostaria de saber o que o autor daquela péssima crítica pensa agora. Detestei a campanha do New York Times que baniu o livro, mas o facto de terem feito uma reapreciação agradou-me.
Apesar disso, Psicopata Americano tornou-se um livro de culto?
Sim, até gostava que o culto fosse maior para ganhar mais dinheiro com ele. No entanto, é um livro que ainda me ajuda a pagar as contas. Era um romance experimentalista estranho e bastante diferente do que inicialmente pensava fazer. Achei que ninguém iria comprar o livro porque era muito chato e por caminhos inovadores, mas é o livro pelo qual me tornei conhecido e que mais vende entre todos.
Está a armar-se quando diz que um dos livros de que mais gosta é o Ulisses do James Joyce?
As pessoas tem dificuldade em acreditar que não tenha lido o Ulisses numa hora apenas, mas não é verdade. Estudei-o na universidade, com um fantástico professor que nos fez gostar do livro. Admito que ao princípio era de difícil leitura, mas quando se entra nele e se o descodifica, a experiência é fabulosa. Principalmente, se isso acontecer aos 20 anos, uma idade onde se valoriza muito as coisas.
Há mais algum livro marcante?
Tenho uma tolerância muito baixa para os romances contemporâneos e prefiro a ficção mais antiga. É difícil encontrar um livro que me desperte e mantenha a curiosidade. Como conheço todos os truques literários, ou a Internet arruína-me a curiosidade, encontro poucos que me seduzam. A exceção é, por exemplo, Jonathan Franzen. O melhor autor desta geração.
O que pensa dos alegados Grandes Romances Americanos como os fenómenos Cidade em Chamas, de Garth Risk Halberg, ou The Girls, de Emma Cline. São valores reais ou produtos editoriais?
São produtos. Cidade em Chamas não é um grande livro, só se for por ter mil páginas; a escrita ser má e a época em que se passa não interessa. O livro precisava de ser editado! Quanto ao The Girls, ainda não o li, mas penso que será mais do mesmo. Os verdadeiros best-sellers caem do céu e não são feitos pela indústria. É o caso do sucesso de 50 Sombras de Grey, de Gone Girl e A Rapariga no Comboio. Quanto aos grandes romances americanos que recebem adiantamentos de um milhão de dólares, o que acontece é eleva-se a expectativa e não têm sucesso. É difícil vender livros hoje, portanto devem ser mesmo bons.
Refere o 50 Sombras. Porquê?
Adorei a ideia do livro, que é muito simples e até podia ter dado um grande filme - decidiram fazê-lo mau. Até gostava de ter escrito o guião.
A E.L. James e o 50 Sombras é o Bret e o Psicopata desta década?
Pode comparar-se mas em vão, afinal ela vendeu dezenas de milhões de exemplares e eu vendi um milhão nos Estados Unidos desde 1991. Ela é rica e eu só tive muita publicidade. Mesmo que as pessoas pensem que vendi milhões do Psicopata, isso não é verdade.
Glamorama, Menos que Zero, As Regras da Atração não venderam milhões em todo o mundo?
Não sei quanto vendi, mas era bom que fosse verdade. Sei que tenho muitos leitores em Portugal, em França também, mas creio que os japoneses nunca gostaram dos meus livros.
Dos seus livros, qual prefere?
Poderia dizer que nenhum deles, nem sequer os gosto de ler porque me é doloroso e há muita coisa que mudaria. Não os consigo ler por causa disso. Às vezes, encontro partes na Internet e até acho que não serão tão maus, mas encontro sempre coisas que mudaria.
Escolha o seu melhor romance?
Talvez preferisse Glamorama, porque passámos sete anos juntos e parecia-me ter muita energia quando o escrevi. Portanto, esse seria o livro que mais gosto porque está escrito num registo diferente, é mais poético, e nem me senti constrangido pelas regras literárias a que os outros estavam sujeitos.
Só usa narradores masculinos...
Porque penso sempre que estou a escrever sobre mim e todos eles refletem diversas fases da minha vida. Menos que Zero, era sobre os 18 anos; Psicopata, os meus 20; Glamorama, o que pensava sobre celebridades e o problema da relação com o meu pai depois da sua morte. Houve uns contos em que havia uma voz feminina, mas a minha ficção é muito autobiográfica.
O Patrick já aparecera antes. Gosta de ir colocando os personagens ao longo dos seus livros?
É divertido mesmo que os leitores deem demasiada importância a isso. Não é um padrão na minha escrita, mas as pessoas gostam.
Há muita violência contra as mulheres e o capitalismo da bolsa. Se hoje publicasse o livro, não seria crucificado nas redes sociais?
Com toda a certeza, o corporativismo na Internet é muito perigoso e as ligações que se criam são um reflexo da nossa cultura contra o discurso livre e por uma linguagem que retira qualquer interpretação crítica. Encoraja o politicamente correto a todo o custo e censura o modo como as pessoas se comportam. Foi essa cultura politicamente correta, que é autoritária, que deu vida e popularidade a Trump.
Lamenta ter decidido ser escritor?
O que eu gostava era de cinema e música - as minhas paixões em adolescente. Achei que ia ser um compositor e ter uma banda famosa. Ou ser um realizador reconhecido. Mas os dois romances que publiquei antes do Psicopata Americano puseram a música e o cinema de lado. Já escrevi sete livros, não sei quantos ainda preciso de escrever até me cansar. Tenho um projeto para o próximo livro, um romance em que ando a pensar há anos. Sei o princípio e o fim, mas não consigo preencher o meio. Nem sei até que ponto essa história precisa de ser escrita.
Ainda gosta dos Talking Heads?
Eram a minha banda favorita nessa altura, mas não os ouço mais.