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Autor Tópico: A "crise de identidade" dos filhos dos espiões  (Lida 808 vezes)

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Offline Nelito

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A "crise de identidade" dos filhos dos espiões
« em: 22 de Maio de 2016, 09:42 »
Espiões desmascarados nos EUA já não trabalham para o SVR, mas o regime russo arranjou-lhes empregos. Às vezes ainda se reúnem. DN publica hoje segunda parte da reportagem The Guardian com Tim e Alex, filhos de dois dos dez espiões detidos pelo FBI, em 2010

Nenhum dos dez deportados falou publicamente sobre a sua missão nos EUA, ou sobre a sua formação pelo SVR ou pelo KGB. O Departamento S, que gere o programa de ilegais em que eles estavam, era a parte mais secreta do KGB. Um antigo "ilegal" diz-me que a sua formação no final da década de 1970 incluiu dois anos em Moscovo com aulas diárias de inglês, ministradas por uma mulher americana que havia desertado. Ele foi treinado também noutras coisas básicas, tais como a comunicação em código e a vigilância. Todo o treino foi feito numa base individual: ele nunca conheceu outros agentes.

O programa era o único do seu género na espionagem internacional. (Muita gente pensava que estava extinto até à rusga do FBI em 2010.) Muitos serviços secretos usam agentes que operam sem cobertura diplomática; alguns têm recrutado imigrantes de segunda geração que já vivem no exterior, mas os russos foram os únicos a treinar agentes para fingirem ser estrangeiros. O Canadá era um sítio comum para os ilegais irem construir a sua "história" de ser um cidadão ocidental comum antes de ser implantado em países-alvo, muitas vezes os EUA ou o Reino Unido. Durante a era soviética, os ilegais tinha duas funções principais: ajudar nas comunicações entre agentes do KGB das embaixadas e as suas fontes norte-americanas (seria menos provável que um ilegal fosse colocado sob vigilância do que um diplomata); e serem células adormecidas para um potencial "período especial" - uma guerra entre os EUA e a União Soviética. Os ilegais poderiam, então, entrar em ação.

O KGB enviou o casal para o Canadá na década de 1980. Em junho de 1990, Vavilova, sob a identidade assumida de Tracey Foley, deu à luz o Tim, no Hospital Universitário da Mulher, em Toronto. As suas primeiras lembranças são de frequentar uma escola de língua francesa na cidade e visitar o armazém da empresa do pai, Diapers Direct, um serviço de entrega de fraldas. Não era James Bond, mas o trabalho de um agente sempre foi mais de tartaruga do que de lebre - anos passados a construir meticulosamente a sua história.

Andrei Bezrukov já tinha um diploma de uma universidade soviética, mas "Donald Heathfield" não tinha registos escolares. Entre 1992 e 1995, tirou um bacharelato em Economia Internacional na Universidade York, em Toronto. Em 1994, nasceu Alex; um ano mais tarde, a família mudou-se para Paris. Não sabemos se isso aconteceu sob as ordens do SVR, mas parece uma suposição segura. Donald tirou um MBA na École des Ponts e a família vivia frugalmente num pequeno apartamento não muito longe da Torre Eiffel; os dois irmãos partilhavam o único quarto, enquanto os pais dormiam no sofá.

Enquanto Bezrukov e Vavilova construíam a sua história, o país que os tinha recrutado e treinado deixou de existir. A ideologia do comunismo tinha fracassado; a temível agência de espionagem que tinha enviado agentes para todo o mundo foi desacreditada e rebatizada. Sob Boris Yeltsin, a Rússia pós-soviética parecia à beira de se tornar um Estado fracassado. Mas em 1999, enquanto a família planeava uma mudança da França para os EUA, um novo homem entrou no Kremlin, homem esse que tinha um passado no KGB. Nos anos seguintes, ele iria trabalhar para fazer que a agência sucessora do KGB se tornasse importante e respeitada de novo.

Com a história de um canadiano trabalhador e com uma boa educação aperfeiçoada ao longo dos anos, Heathfield entrou na Kennedy School of Government, da Universidade de Harvard, no final desse mesmo ano, e estava pronto para trabalhar como um agente do SVR. Ele estaria a espiar não para o sistema soviético que o havia treinado, mas para a nova Rússia de Vladimir Putin.

O dia em que descobrimos que os nossos pais eram espiões russos

Heathfield e Foley enviaram os filhos para uma escola bilíngue francês-inglês em Boston, para que pudessem manter o seu francês e ficar em contacto com a cultura europeia. Eles não podiam ensinar aos filhos nada sobre a Rússia; talvez a ênfase no francês fosse uma forma de garantir que os seus filhos não eram americanos "vulgares" sem fazer soar o alarme. Em casa, a família falava uma mistura de inglês e francês. (Um vídeo online de Bezrukov, em que este aparece no seu papel pós-deportação como analista político, mostra-o a falar um norte-americano suave levemente nasalado.) Quando completou a sua pós-graduação em Harvard, Heathfield conseguiu um emprego na Global Partners, uma consultora de desenvolvimento de negócios.

Converso com Tim numa tarde de domingo, ele está na sua cozinha e falamos através do Skype. Ele tem os mesmos traços faciais e o mesmo risco cuidadosamente feito no cabelo tal como o seu irmão, mas o seu cabelo é loiro e não escuro. Olhando para trás, para a sua infância e adolescência, ele diz-me que o pai trabalhava muito e fazia frequentes viagens de negócios. Ele incentivava os filhos a ler e a aprender sobre o mundo, e "era como um melhor amigo para nós". Foley, diz Tim, era uma mãe americana típica que ia buscar os filhos à escola e levá-los às atividades desportivas. Quando os rapazes eram adolescentes começou a trabalhar como agente imobiliária.

Em 2008, Tim conseguiu um lugar na Universidade George Washington, em Washington DC, para estudar Relações Internacionais. Ele focou-se na Ásia, teve aulas de mandarim e passou um semestre em Pequim. No mesmo ano, a família naturalizou-se americana, juntando passaportes dos EUA à sua nacionalidade canadiana.

Os irmãos nunca mais voltariam a viver no Canadá; Alex tinha um ano quando eles deixaram Toronto e Tim apenas cinco, mas ambos se sentiam canadianos. A família voltou muitas vezes para fazer esqui, e quando os rapazes iam em excursões escolares de Boston até Montreal, eles tinham orgulho em mostrar aos outros alunos o seu país "natal". Alex fazia um grande alarde sobre o seu passado canadiano, porque "na escola secundária queremos sempre ir pela contracultura".

Tim descreve a sua infância como "absolutamente normal": a família era chegada, todos passavam tempo juntos aos fins de semana; os seus pais tinham muitos amigos. Ele não tem qualquer memória de os ouvir discutir a Rússia ou a União Soviética; eles nunca comiam comida russa e, segundo Tim, o mais próximo que ele esteve de um russo foi na escola, onde havia um rapazinho bem-educado do Cazaquistão.

Os pais não falavam muito da sua infância, mas, como sempre tinha sido assim, os rapazes não tinham motivos para os questionar. "Eu nunca tive a mais leve suspeita sobre os meus pais", diz Alex. Na verdade, sentia-se muitas vezes dececionado pela forma como eles eram aborrecidos e normais: "Parecia que todos os pais dos meus amigos tinham vidas muito mais excitantes e bem-sucedidas".

Mal sabia ele. Bezrukov e Vavilova tinham sido colocados sob vigilância do FBI logo a seguir a terem-se mudado para os EUA, provavelmente por causa de uma "toupeira" na agência russa. Trechos do seu indiciamento de 2010 sugerem que o casal vivia com um nível de intriga que a maioria das pessoas diria que existe apenas dentro das páginas de um romance de espionagem. Um parágrafo relata uma comunicação intercetada do Centro de Moscovo (sede da SVR), explicando como Vavilova devia planear uma viagem à sua terra natal. Ela devia voar para Paris e apanhar o comboio para Viena, onde iria buscar um passaporte britânico falso. "Muito importante: 1. Assine o seu passaporte na página 32. Treine a sua assinatura para ser capaz de a reproduzir quando necessário... No passaporte terá um memorando com as instruções. Por favor destrua o memorando depois de o ler. Fique bem."

O pai, entretanto, estava a usar o seu trabalho como consultor para penetrar nos círculos políticos e empresariais norte-americanos. Não está claro se ele conseguiu aceder a material classificado, mas as interceções do FBI relatam uma série de contactos com autoridades americanas antigas e atuais.

Nos poucos comentários públicos que Bezrukov fez sobre o seu trabalho, ele faz que soe mais como o de um analista de um think tank do que o de um superespião. "O trabalho de informação não tem que ver com aventuras arriscadas", disse ele à revista Expert em 2012. "Se nos comportarmos como Bond, vamos durar metade de um dia, talvez um dia inteiro. Mesmo que houvesse um cofre imaginário onde estão guardados todos os segredos, amanhã metade deles estará ultrapassada e será inútil. O melhor tipo de serviço de informação é entender o que o adversário vai pensar amanhã, não saber o que ele pensava ontem."

Bezrukov e Vavilova comunicavam com o SVR utilizando esteganografia digital: eles publicavam imagens online que continham mensagens escondidas nos píxeis, codificadas usando um algoritmo escrito para eles pelo SVR. Uma mensagem, que o FBI acredita ter sido enviada em 2007 para Bezrukov pela sede do SVR, foi descodificada da seguinte maneira: "Recebemos o seu memorando e a sinalização. Nenhuma informação nos nossos arquivos sobre E.F., B.T., D.K., R.R. Concordamos com a sua proposta de usar o "Agricultor" para começar a construir a rede de estudantes em DC. O seu relacionamento com o "Papagaio" parece muito promissor como uma fonte válida de informações nos círculos de poder norte-americanos. Para começar a trabalhar profissionalmente com ele precisamos de todas as informações disponíveis sobre o seu passado, posição atual, hábitos, contactos, oportunidades, etc."

Já em 2001, quase uma década antes da sua prisão, o FBI tinha revistado um cofre pertencente a Tracey Foley. Aí encontraram fotografias dela com 20 anos, uma dos quais trazia a marca em cirílico da empresa soviética, que a tinha imprimido. A casa da família tinha estado sob escuta, possivelmente durante muitos anos. O FBI conhecia as verdadeiras identidades do casal, mesmo que os seus próprios filhos não as soubessem, mas os americanos preferiram manter sob vigilância a rede de espionagem russa, em vez de avançar.

Não se sabe exatamente por que razão o FBI decidiu agir quando o fez. Uma sugestão é que Alexander Poteyev, o agente do SVR que se acredita ter traído o grupo, sentiu que o seu disfarce tinha sido descoberto. Ele teria fugido da Rússia nos dias anteriores às detenções; em 2011, um tribunal russo condenou-o, à revelia, a 25 anos de prisão por traição. Outra possibilidade é que um membro do grupo estaria a aproximar-se demasiado de informações sensíveis. Seja qual for a razão, em junho de 2010 o FBI decidiu encerrar a operação Histórias de Fantasmas e destruir a rede de espionagem russa.

Falo muitas vezes com Tim e Alex, pessoalmente, por Skype e e-mail. Eles não se sentem desconfortáveis a falar sobre as suas experiências, mas também não gostam muito. Inicialmente, eles querem falar apenas sobre o seu caso em tribunal no Canadá; mas, aos poucos, vão-se abrindo, respondendo a todas as minhas perguntas sobre a sua extraordinária vida familiar.

Tenho de admitir que existem alguns pormenores que me incomodam. Será que eles, realmente, nunca suspeitaram de nada?

Em 2012, o The Wall Street Journal informou que autoridades norte-americanas não nomeadas afirmaram que uma escuta colocada na casa de Boston da família pelo FBI tinha apanhado os pais a revelarem a Tim as suas verdadeiras identidades muito antes da detenção. Além disso, segundo essas autoridades, os pais haviam dito a Tim que queriam prepará-lo para ser um espião russo. Um espião de segunda geração seria um ativo muito mais impressionante do que ilegais de primeira geração, que tinham construído personagens sólidas mas não inexpugnáveis a uma investigação de antecedentes. Tim, de acordo com as autoridades não identificadas, concordou em viajar para Moscovo para se submeter ao treino do SVR e chegou mesmo a "saudar a Mãe Rússia".

Tim nega veementemente a história, insistindo que esta é uma invenção total. "Por que motivo haveria um miúdo, que cresceu toda a sua vida a acreditar ser canadiano, de decidir arriscar a vida na prisão por um país onde nunca tinha estado e com o qual não tinha qualquer ligação? Além disso, por que razão iriam os meus pais assumir um risco dessa envergadura ao desvendar as suas identidades ao filho adolescente?" A alegação de que ele saudou a Mãe Rússia é "tão ridícula quanto parece", diz Tim. Ele gostaria de responder às acusações em tribunal, mas é impossível discutir com fontes anónimas. Quando contactado pelo The Guardian, o FBI recusou-se a comentar o artigo do Wall Street Journal.

Havia outra coisa que me incomodava: tinha sido realmente apenas uma coincidência que a família tivesse planeado viajar para a Rússia nesse verão, e que, portanto, os irmãos tivessem vistos russos? Sim, diz Alex. "A ideia de ir à Rússia foi muito minha. Nós tínhamos um mapa-múndi em casa e, quando olhámos para as bandeirinhas espetadas nele, percebemos que tínhamos ido a quase todos os lugares menos à Rússia, por isso eu tinha muita curiosidade e pressionei muito para que lá fôssemos. Era para ser apenas uma parte da nossa viagem de verão."

Em retrospetiva, com certeza que a viagem de verão para Paris, Turquia e Moscovo deve ter parecido bastante diferente. Os rapazes tinham perguntado aos pais qual tinha sido o plano para quando a família se reunisse em Moscovo em julho de 2010. Tinham eles tido a intenção de revelar tudo? Ou iriam realmente passar uma semana em Moscovo fingindo não entender uma única palavra do que era dito à sua volta?

"Eu acredito que era esse o plano", diz Alex. "Nós iríamos viajar para a Rússia, e talvez eles fossem encontrar-se com pessoas sem nós. Mas eu não acho que houvesse intenções de nos dizer alguma coisa."

Tim concorda. Se os pais tivessem revelado a verdade, isso teria transformado Tim e Alex num enorme problema; "como profissionais", diz ele, é improvável que eles tivessem assumido esse risco. Eles duvidam que os pais tivessem alguma vez planeado revelar-lhes as suas verdadeiras identidades. "Sinceramente, acho que não. Por muito estranho que possa parecer", diz Tim.

Ambos os irmãos me contam que se lembram de, em crianças, conhecerem os avós. Onde? Em férias, diz Alex, "algures na Europa"; ele não se consegue lembrar exatamente onde. Quando questionado se tem a certeza de que as pessoas que conheceu eram os seus verdadeiros avós, ele responde: "Eu acho que sim.".Eles falavam russo? "Eu era muito pequeno, não faço ideia", declara ele com firmeza.

Ponho a questão a Tim, que seria mais velho na altura. Ele lembra-se de ter visto os avós de vez em quando até chegar mais ou menos aos 11 anos, quando eles desapareceram da sua vida. "Obviamente, agora quando penso nisso, eu entendo mais ou menos como a coisa funcionava. Se eu os tivesse visto quando era mais velho, teria percebido que eles não falavam inglês, que não pareciam muito ser canadianos."

No Natal, os rapazes recebiam presentes com etiquetas que diziam "dos avós". Os pais disseram-lhes que eles viviam em Alberta, longe de Toronto, e que era por isso que nunca os viam. Ocasionalmente, chegavam fotografias novas dos avós num cenário de neve; o facto de o clima de Alberta e da Sibéria não serem muito diferentes também ajudava.

Se a história de Tim e Alex soa estranhamente familiar aos fãs de Os Americanos, a série de televisão sobre um casal do KGB a viver nos EUA com os seus dois filhos, isso é porque esta é, em parte, baseada naquela. A série passa-se na década de 1980, proporcionando um cenário de guerra fria, mas o cerco aos espiões em 2010 serviu de inspiração. O criador da série, Joe Weisberg, treinou para ser agente da CIA no início da década de 1990 e, quando eu falo com ele ao telefone, diz-me que sempre quis colocar uma família no centro da intriga. "Uma das coisas interessantes que eu vi quando trabalhava na CIA era as pessoas a mentir aos filhos. Se tivermos filhos pequenos, não podemos dizer-lhes que trabalhamos para a CIA. E depois, a certa altura, temos de escolher uma idade e um momento, e eles descobrem que os pais lhes mentiram durante a maior parte das suas vidas. É um momento difícil."

Quando me encontrei com Alex em Moscovo, ele tinha acabado de ver a primeira temporada. (Já tinha tentado começar a ver várias vezes antes, mas tinha achado muito difícil; ele e Tim costumavam brincar dizendo que deveriam processar os criadores.) Os seus pais gostam da série, diz-me ele. "Obviamente que é fantasiada, todas aquelas mortes e a ação imparável. Mas fê-los recordar de quando eram jovens agentes e de como se sentiram por estar num lugar novo e estranho." Ver a série, diz Alex, aguçou-lhe a curiosidade: o que fez que os seus pais seguissem este caminho, e porquê?

Em 2010, os espiões foram recebidos na Rússia como heróis. Depois de um interrogatório na sede do SVR, Bezrukov, Vavilova e os outros deportados encontraram-se com o então presidente Dmitri Medvedev para receber medalhas pelo serviço prestado. Mais tarde, reuniram-se com Putin e, supostamente, o grupo cantou a patriótica música soviética Onde Começa a Mãe Pátria. As autoridades organizaram uma digressão: os agentes e as suas famílias viajaram para São Petersburgo, lago Baikal, Sibéria e Sochi, no mar Negro. A ideia era mostrar a Rússia moderna e proporcionar-lhes uma oportunidade de estabelecerem laços.

Pergunto a Alex se ainda continuam a encontrar-se. "De vez em quando", responde. Ele e Tim eram os únicos adolescentes; dos quatro casais presos, dois tinham crianças mais pequenas, enquanto outro tinha filhos adultos. Mesmo assim, as outras famílias eram provavelmente as únicas pessoas no mundo que poderiam entender a sua situação surreal.

Bezrukov e Vavilova viram-se de regresso a uma Rússia muito diferente daquela que tinham deixado. O mais velho dos agentes tinha-se reformado do trabalho de espionagem ativa há já uma década, diz Alex, e mal se lembrava de como falar russo. O grupo foi informado de que deixaria de trabalhar para o SVR, mas foi-lhes dado emprego em bancos estatais e empresas de petróleo. Anna Chapman trabalhou numa série de televisão e tem agora a sua própria empresa de moda. Arranjaram um emprego a Bezrukov na MGIMO, uma prestigiada universidade de Moscovo, e ele escreveu um livro sobre os desafios geopolíticos que a Rússia enfrenta.

Tim e Alex receberam passaportes russos no final de dezembro de 2010. De repente, passaram a ser Timofei e Alexander Vavilov. Os nomes eram "completamente novos, estrangeiros e impronunciáveis para nós", diz Tim. "Uma verdadeira crise de identidade", acrescenta com um toque de amargura. Impossibilitado de voltar para a universidade no seu último ano, ele conseguiu transferência para uma universidade russa e concluiu lá o curso, antes de fazer um MBA em Londres.

Alex teve menos sorte: terminou o ensino secundário na Escola Britânica Internacional em Moscovo, mas não quis ficar na Rússia. Candidatou-se à universidade no Canadá, mas foi-lhe dito que teria primeiro de pedir uma nova certidão de nascimento e, em seguida, um certificado de cidadania; só então poderia renovar o seu passaporte canadiano. Em 2012 foi admitido na Universidade de Toronto e pediu um visto de estudante de quatro anos no seu passaporte russo. O visto foi emitido e Alex planeava partir para o Canadá a 2 de setembro. Mas, quatro dias antes da data prevista para a partida, enquanto fazia as malas e trocava e-mails com o seu futuro companheiro de quarto, recebeu um telefonema da embaixada canadiana em Moscovo exigindo a sua comparência para uma entrevista urgente. A reunião foi hostil; houve muitas perguntas sobre a sua vida e os seus pais. O visto foi anulado diante dos seus olhos e ele perdeu a vaga na universidade. Alex já viu serem-lhe rejeitados vistos franceses e britânicos. Por duas vezes, ele foi admitido na London School of Economics, mas não não conseguiu obter um visto. Acabou por conseguir um visto para estudar noutro sítio da Europa; Tim viaja principalmente para a Ásia, onde, com um passaporte russo, muitos países podem ser visitados sem ser necessário um visto.

A batalha dos irmãos para recuperar a cidadania canadiana não é apenas uma questão de logística. Moscovo não é uma cidade que abrace os recém-chegados, e nenhum deles se sente particularmente russo. "Eu sinto-me como se tivesse sido despojado da minha própria identidade por uma coisa com a qual eu não tinha nada que ver", confessa-me Alex. Ambos estão satisfeitos por trabalhar na Ásia, de momento, mas querem mudar-se para o Canadá quando se sentirem prontos para ter as suas próprias famílias. Mais do que tudo, a sua identidade canadiana é a última coisa a que se podem agarrar depois de terem perdido tanto de tudo o que era a sua realidade anterior.

"Eu vivi 20 anos a acreditar que era canadiano e ainda acredito que sou canadiano, nada pode mudar isso", escreveu Tim no seu depoimento ao tribunal de Toronto. "Eu não tenho nenhuma ligação à Rússia, não falo a língua, não tenho lá muitos amigos, nunca lá vivi durante muito tempo e não quero lá viver."

Todos os que nascem no Canadá são elegíveis para requerer a cidadania canadiana, com uma exceção: os filhos de funcionários de governos estrangeiros. Mas o advogado de Toronto dos irmãos, Hadayt Nazami, argumenta que é ridículo aplicar essa disposição legal ao caso deles; o objetivo da lei, diz ele, é evitar que aqueles que não têm as responsabilidades da cidadania possam desfrutar dos seus privilégios.

Em última análise, o tribunal parece estar a atuar tanto com base em fundamentos legais como emocionais, possivelmente tendo em mente a história do The Wall Street Journal sobre o aparente recrutamento de Tim. Mas mesmo que os irmãos tivessem conhecimento das atividades dos pais (e não há provas concretas disso), eu pergunto o que o tribunal esperava que eles tivessem feito. O que é suposto fazer um rapaz de 16 anos que descobre que é filho de espiões russos? Chamar o FBI?

Tim e Alex passaram muitos meses a questionar-se e às suas identidades e a tentarem perceber se deveriam sentir-se zangados com os pais. Eles não querem que a sua infância os vá definir à medida que vão envelhecendo. Muitos dos seus amigos mais próximos sabem, mas a maioria dos seus conhecidos casuais não. Quando lhes perguntam de onde eles são, a resposta-padrão para ambos é "Canadá".

Eles continuam amigos de muitas pessoas da sua antiga vida em Boston, embora Tim diga que algumas cortaram o contacto, principalmente aquelas cujos pais eram amigos dos seus pais e se sentiram traídas.

Embora não tenham nenhum desejo de viver na Rússia, os dois irmãos visitam Moscovo de tantos em tantos meses para ver os pais. Pergunto-lhes se tem sido difícil manter esse relacionamento. Houve um confronto? Tim e Alex escolhem cuidadosamente as palavras; parece-me que eles querem parecer racionais e pragmáticos e não emocionais. "Claro que houve alguns momentos muito difíceis", diz Tim. "Mas se eu me zangar com eles, isso não vai levar a quaisquer resultados benéficos." Ele admite que é triste que, apesar de poder agora passar mais tempo com os avós, a barreira da língua signifique que nunca os irá conhecer a sério. "Quando se escolhe este tipo de caminho, não resulta lá muito bem em termos de família e de manter tudo isto a funcionar", diz ele, com uma voz que é sumida e triste.

Alex diz-me que, às vezes, se pergunta por que motivo os pais decidiram ter filhos. "Eles vivem as suas vidas como todos os outros, fazendo escolhas ao longo do caminho. Fico contente por saber que eles tinham uma causa em que acreditavam tão fortemente, mas as suas escolhas significam que eu não sinto nenhuma ligação com o país pelo qual eles arriscaram as suas vidas. Gostaria que o mundo não me punisse pelas suas escolhas e ações. Tem sido profundamente injusto."

Alex diz-me várias vezes que não lhe cabe julgar os seus pais, mas que há seis anos passou um longo período a debater-se com "a grande questão" de saber se os odiava ou se se sentia traído. No final, ele chegou a uma conclusão: aquelas pessoas eram as mesmas que o tinham criado com amor, apesar de todos os segredos que escondiam.
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Offline jlceron

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Re: A "crise de identidade" dos filhos dos espiões
« Responder #1 em: 22 de Maio de 2016, 13:43 »
Desculpa, mas você acredita que "alguém" tenha lidos tudo isto que você escreveu?

Muito bem escrito por sinal...mas já foi o tempo em que leitores "comuns" liam...os leitores atuais leem muito pouco...não perca seu tempo..faça uma pesquisa, mas sugiro que você escreva mais sucintamente..

Um forte abraço do Brasil.