A Ordem dos Médicos diz que "em vários hospitais e centros de saúde, há recomendações para encurtar os tempos de consultas". Por isso utentes não têm os cuidados que deveriam receber. Exigem intervenção do Governo
Cinco minutos para ver um doente. Um sistema informático com "falhas a interromper a consulta, e a causar stress em médico e doente, ou entre os dois". Listas com dois mil doentes para um só médico.
Estes são alguns exemplos de situações que prejudicam a qualidade do atendimento nos centros de saúde em Portugal e que são denunciadas pelos profissionais, que ainda se queixam de sobrecarga de trabalho, desmotivação, stress e de burnout (um estado de esgotamento físico e mental cuja causa está ligada à vida profissional).
Perante este cenário, as secções do Norte e Centro da Ordem dos Médicos querem que o Ministério de Saúde intervenha de modo a melhorar a forma de atendimento dos doentes e o trabalho dos profissionais.
"Há médicos que são pressionados para ver os utentes em cinco ou sete minutos, quando deveria ser, no mínimo, em 20", denuncia o presidente da Secção Regional da Ordem dos Médicos do Norte (SRNOM). Miguel Guimarães diz que "o doente fica com a sensação de que não está a ser bem atendido e não fica satisfeito". O que acaba por causar stress no médico e no utente. "Tem de haver tempo para a relação médico-doente na consulta", alerta. A Ordem já chamou a atenção do ministério liderado por Adalberto Campos Fernandes para a necessidade de resolver estas questões com urgência.
O problema acontece um pouco por todo o país. Também o presidente do Conselho Regional do Centro da Ordem dos Médicos, Carlos Diogo Cortes, denuncia que "em vários hospitais e centros de saúde há recomendações para encurtar os tempos de consultas". Mais, lamenta, "há situações em que os doentes são marcados de cinco em cinco minutos e depois há uma pressão imediata no médico para fazer as consultas mais rápidas". O grave nisto tudo é que "não interessa se o utente foi bem tratado, a qualidade da consulta, mas sim a rapidez, a produtividade". Depois gera-se stress e ansiedade no médico, que se apercebe dos muitos doentes na sala de espera. E, por consequência, o mesmo nos utentes, que acabam por desesperar enquanto aguardam para serem atendidos "a correr", como alguns se queixam.
Inês Rosendo, também do Conselho Regional do Centro da Ordem dos Médicos, diz que os mais afetados são "os colegas médicos dos hospitais". Mas esta médica de família também já esteve perto de passar pelo mesmo: "Já tive algumas administrações que pensaram pôr tempos de consultas. Sempre consegui gerir sem o fazer."
Muitos doentes e má informática
Os problemas agravam-se ainda mais quando a lista de doentes ultrapassa em muito o aceitável. "Ainda hoje uma médica de família contou que só num dia viu 70 dos dois mil doentes que tem num centro de saúde de Lisboa e Vale do Tejo", denuncia Inês Rosendo. "Dizia que, a dada altura, já nem os ouvia de tão exausta que estava. Há um limite para tudo." Depois, os resultados são óbvios: "Chegamos a casa de rastos e com a sensação de que não fizemos o que deveríamos fazer." O que acaba por causar síndroma de exaustão nos médicos, que entram em depressão. Inês Rosendo defende a necessidade de tempo de qualidade entre médico de família e doente. "Tenho 800 utentes e estou a meio tempo. Já cheguei a ter 1750 utentes, em Santa Comba Dão, a maioria deles idosos."
Mais a norte do país, também o médico Alberto Pinto Hespanhol, da Unidade de Saúde Familiar São João do Porto, se queixa do mesmo. "Deveríamos ter tempo para falar com o doente. O principal medicamento é o próprio médico." Queixa-se da sobrecarga de trabalho, agravada pelo excesso de doentes. No seu caso, são 1800. Tesoureiro da SRNOM, este médico de medicina geral e familiar, desde 1985, diz que "nenhum deles se vai embora sem ser visto" e que demora, em média, 20 minutos. Primeiro a qualidade: "Tenho um compromisso com o doente." Mas, lamenta, "há programas para tudo e mais alguma coisa. Estamos sempre a meter passwords. Perde-se muito tempo".
A médica Inês Rosendo acrescenta que acaba "por ter pouco tempo para ver o doente por causa das constantes interrupções e falhas do sistema informático". Quando está a prescrever uma receita, no computador, "surgem consecutivos alertas que obrigam a interromper e complica a vida". Alertas de como "existem medicamentos que têm um efeito semelhante a este e são mais baratos", e até dá exemplos. Depois, continua, "numa janela pergunta se queremos mesmo prescrever aquele medicamento". Se sim, tem de escrever porquê. Para a médica, esta é uma forma de tentar dissuadir de prescrever os medicamentos que escolhe. Consequência? "O doente fica a olhar."
O presidente da secção dos Médicos do Centro vai mais longe: "Estou convencido de que há uma vontade velada para que sejam prescritos uns medicamentos em detrimento de outros". Mais, refere, "quando o sistema informático não funciona é o caos, porque os médicos não conseguem fazer o seu trabalho, nem prescrever medicamentos ou exames". O pior, diz Carlos Diogo Cortes, "é que acontece à frente do doente e é complicado".
O presidente da Secção Regional Norte acrescenta também que "sempre que o computador vai abaixo o médico quer prescrever a receita e não pode". Depois, lamenta, "cria-se um clima entre médico e utente que não é bom". E garante que há queixas por todo o país.