Barão da droga e o seu braço direito fugiram de Portugal em abril. Foram libertados por ter sido excedido prazo de prisão preventiva
Macias Nieto ou El Doctor, um narcotraficante colombiano de 68 anos investigado há muito pela agência antidroga americana (DEA), e o seu braço direito, Edil Luna, fugiram de Portugal em abril depois de terem sido libertados da cadeia de alta segurança de Monsanto. A ordem judicial de libertação deveu-se a ter sido ultrapassado o limite máximo do prazo de prisão preventiva, de três anos e quatro meses para os processos de especial complexidade, como era o caso. Entretanto, ficou pendente no Tribunal da Relação de Lisboa um pedido de extradição formulado pelos Estados Unidos. Os dois narcotraficantes são agora procurados pela Interpol.
Na fase de recursos das defesas para a Relação de Lisboa, Supremo e Tribunal Constitucional (TC), o processo arrastou-se dois anos. O Conselho Superior de Magistratura mandou agora "averiguar os termos em que foi conduzido o processo, desde o seu início" pelos juízes, da primeira instância - o Tribunal de Almada - até ao Constitucional, confirmou o DN junto do vice-presidente daquele órgão, o conselheiro Mário Belo Morgado.
Os dois narcotraficantes estavam condenados em primeira instância, pelo Tribunal de Almada, desde 14 de janeiro de 2014: El Doctor a 11 anos de cadeia e o seu cúmplice, Luna, a oito anos e meio. Aguardaram os trâmites do processo em prisão preventiva na cadeia mais segura do país, Monsanto, em Lisboa. Mas quando foram libertados em meados de abril ficaram apenas obrigados a entregar os passaportes e a apresentar-se periodicamente à PSP, medida que não cumpriram.
Advogado culpa juiz Rui Rangel
Carlos Melo Alves, advogado do principal arguido, Macias Nieto, confirmou ao DN que o seu cliente "saiu de Portugal" e que até já entrou em contacto consigo. O advogado escusa-se a avançar se El Doctor está disposto a colaborar com a justiça porque ele sempre se viu como vítima de uma cilada armada pela DEA norte-americana (que deu a pista à Polícia Judiciária de que Nieto tinha um carregamento previsto na Costa de Caparica). Mas tem uma opinião sobre o desfecho do caso. "A Relação cometeu um conjunto de erros gravíssimos e de palmatória, nomeadamente o relator juiz Rui Rangel", acusa. "Um exemplo: eu pedi para que o julgamento na Relação fosse em audiência, com os advogados presentes, e não em conferência de juízes. Rui Rangel esqueceu-se de marcar a audiência e proferiu a decisão, confirmando as penas. Requeri nulidade do acórdão e o juiz teve de ordenar o julgamento. Depois de um terceiro acórdão emendado, o caso foi para o Supremo (STJ), que voltou a mandá-lo para trás porque ainda vinha ferido de nulidade", argumentou Melo Alves.
Rui Rangel escusou-se a comentar estas críticas ao DN. Mas o presidente da Relação, Vaz das Neves, defendeu os seus juízes, depois de ver o histórico do processo, que enviou ao DN. "A Relação confirmou sempre a decisão de primeira instância (as penas de prisão) e respondeu de forma rápida aos pedidos do Supremo. Não vejo aqui incompetência dos desembargadores. Mas o Conselho Superior de Magistratura, se entender que há negligência, pode olhar para isto e abrir um processo", afirmou Vaz das Neves.
De facto, a Relação confirmou as penas de prisão a 29 de abril de 2014, mas a partir daí os advogados dos arguidos invocaram erros técnicos, alegando que o despacho estava ferido de nulidades várias. A 9 de abril de 2015, o STJ deu razão às defesas, mandando de novo o acórdão para a Rua do Arsenal.
O lapso da assinatura que faltava
Houve até um lapso caricato. Num despacho de 8 de janeiro de 2016, os conselheiros do Supremo verificaram que faltava uma assinatura do presidente do coletivo da Relação, Trigo Mesquita, no acórdão que confirmava as penas de prisão. Mais um "pequeno" atraso a somar a outros tantos. Até uma decisão final do conselheiro Nuno Gomes da Silva, do Supremo, que a 10 de março anulou "parcialmente o acórdão por excesso e omissão de pronúncia quanto a algumas questões" e negou provimento ao recurso nos outros pontos. Seguiu então novo recurso da defesa, desta vez para o Tribunal Constitucional, onde chegou a 12 de abril. Segundo o advogado Melo Alves, o TC não deu razão à defesa, que "contestava a declaração de especial complexidade conferida ao processo". Por essa mesma altura, o limite da prisão preventiva era excedido e os arguidos libertados.
O novo vice-presidente do Conselho Superior de Magistratura, Mário Belo Morgado, que tomou posse há dois dias e criticou as demoras judiciais, culpa o sistema penal por estes casos: "Não há limite do número de testemunhas, não há limites de tempo para a sua inquirição, não há limites de tempo para alegações nos processos de especial complexidade... Nem uma condução da audiência muito assertiva por parte dos juízes permite contornar os inúmeros constrangimentos legais. Por outro lado, os prazos de prisão preventiva contam-se até ao trânsito em julgado das sentenças, enquanto, na generalidade dos países, o prazo apenas corre até ao momento da decisão na primeira instância."