Mil milhões de euro era quanto o PS previa poupar em prestações sociais. O número custou-lhe a vitória nas legislativas. Agora no Programa Nacional de Reformas já não prevê nada
Os quadros orçamentais anexos ao Programa Nacional de Reformas (PNR) têm várias rubricas sem previsão de receita ou despesa e uma delas diz respeito ao assunto que mais dores de cabeça deu a António Costa na campanha das últimas eleições legislativas: os cortes nas despesas com prestações sociais não contributivas.
Essa poupança chegou a estar prevista em documentos pré-eleitorais dos socialistas (no "Estudo sobre o impacto financeiro do programa eleitoral do PS", emitido em agosto do ano passado) como podendo ser de 1020 milhões de euros num total de quatro anos de legislatura. Seria obtida obrigando os beneficiários de prestações como, por exemplo, abono de família, rendimento social de inserção, subsídio social de desemprego ou complemento solidário para idosos, a mostrar ao Estado se eram (ou não) efetivamente elegíveis para as receberem (a chamada "condição de recursos").
Essa previsão de poupança - que todos os outros partidos interpretaram na altura como "cortes nas pensões" - embaraçou profundamente António Costa no segundo e último debate pré-eleitoral que teve com Passos Coelho.
Uma moderadora - Graça Franco, diretora da Rádio Renascença - perguntou ao então apenas líder do PS como seriam poupados exatamente aqueles 1020 milhões de euros e Costa revelou-se incapaz de dar explicações. Passos Coelho aproveitou para explorar intensamente o "lapso" do líder do PS, ganhando o debate. A campanha socialista entrou em depressão, da qual nunca veio a recuperar até ao dia das eleições. A coligação pré-eleitoral do PSD com o CDS (PAF, sigla de Portugal à Frente) venceu as eleições.
Agora, o governo já não faz previsões sobre essa poupança. No capítulo do PNR dedicado à "coesão e igualdade" existe uma medida designada "reforçar o modelo de condição de recursos em prestações sociais de natureza não contributiva". O seu objetivo é fazer a "adequação da despesa em prestações não contributivas aos seus objetivos". Pretende-se, segundo o descritivo da medida, fazer a "reavaliação e reforço, até 2019, da coerência do modelo de aplicação de condição de recursos nas prestações sociais de natureza não contributiva". Depois, nas colunas de contabilização da medida - custos de efetivação, poupanças na despesa -, tudo está em branco.
Fraudes de 200 milhões/ano
Segundo fonte do gabinete do ministro Vieira da Silva (Trabalho, Solidariedade e Segurança Social), não há previsão orçamental porque "a medida não está desenhada". Ou seja, o governo ainda não decidiu como irá apertar os mecanismos de deteção (e cancelamento) de prestações ilegitimamente recebidas. Mas já existem algumas contas feitas. Recentemente, no Parlamento, o ministro disse que no ano passado "foram pagos indevidamente 200 milhões de euros em prestações sociais" e "destes, 103 milhões de euros no subsídio de desemprego e 36 milhões de euros na proteção familiar [abono de família]". Vieira da Silva admitiu então a possibilidade de, no subsídio de desemprego, alterar as regras de apresentação periódica dos beneficiários. Também prometeu uma "revisão completa da legislação sobre o RSI [rendimento social de inserção]". "O governo tudo fará para que esse rigor e essa exigência sejam não só mantidos como reforçados."
Marcelo desvaloriza críticas
O PNR chegou na quinta-feira ao Parlamento acompanhado de um outro documento, o Programa de Estabilidade (PE), que estabelece as previsões macroeconómicas do governo até 2020.
O documento foi fortemente criticado pelo Conselho de Finanças Públicas. "O conjunto de previsões para o período apresenta um risco de não realização", riscos que "incidem sobre a prudência dos pressupostos relativos à evolução da procura externa e ao crescimento das exportações no médio prazo e à fundamentação para a dinâmica do investimento" e isso pode "implicar a revisão dos resultados esperados para os objetivos orçamentais".
Falando em Évora (mais noticiário na pág. 12), o Presidente da República desvalorizou as conclusões do organismo liderado por Teodora Cardoso. "O Conselho de Finanças Públicas é um órgão muito importante, mas verdadeiramente importante é a Comissão Europeia. Com o devido respeito por esse órgão, o que nos interessa é saber se a Comissão Europeia considera as previsões demasiado otimistas, se aceita ou não os números que são avançados pelo governo", afirmou Marcelo Rebelo de Sousa.
Quem também criticou o PE foi o líder do PSD. "Não tem qualquer adesão à realidade, nessa medida é uma mistificação e é uma ilusão para os portugueses, porque promete objetivos cujos instrumentos de realização (...) estão ausentes", disse Pedro Passos Coelho.