Propostas para alargamento das licenças de parentalidade não foram votadas pelos partidos. Vão ser discutidas na especialidade
No ano passado, 4250 pais preferiram ficar a ganhar um quarto do ordenado para poderem ficar mais tempo com o filho após o quinto mês de licença de parentalidade. De acordo os dados avançados ao DN pela Segurança Social, foi esse o número de requerimentos para a atribuição do subsídio parental alargado recebidos em 2015. Não existindo extensão da licença, esta é a solução que muitas famílias encontram para desfrutar de mais tempo com os bebés. Ontem, o tema esteve em debate na Assembleia da República, mas não foi votado. Seguiu para ser discutido na especialidade.
O reforço do regime de proteção na parentalidade e o alargamento da licença parental inicial e do período de dispensa para aleitação -propostos por PAN e BE, a que se juntou uma iniciativa do PCP - acabaram por não ser ontem votados. Com várias mulheres e os seus filhos nas galerias, os deputados debateram uma petição que defende a licença parental de seis meses, "exclusiva da mãe, pela saúde dos nossos bebés". Por unanimidade, as propostas baixaram à Comissão de Trabalho e Segurança Social por um período de 40 dias. É este o tempo que deverá servir para procurar consensos entre as várias bancadas, sobretudo à esquerda, depois de o PS ter torcido o nariz à necessidade de estender os prazos já definidos na lei.
Enquanto não surgem novas medidas, há quem opte por estender a licença, mesmo que para isso tenha de abdicar de grande parte do ordenado. Foi o que fez Márcia Fernandes, assistente social de 38 anos. Após dois anos de tratamentos de procriação medicamente assistida, Márcia e o marido foram pais em outubro do ano passado. "Não sei se terei oportunidade de ser mãe outra vez. Quis gozar o máximo de tempo possível a licença, com sacrifício, porque 25% do ordenado não é nada", justifica.
A assistente social está, neste momento, no sexto mês de licença. " A Teresa está a ser amamentada na integra. Se estivesse a trabalhar, isso não era possível." Nos primeiros cinco meses, Márcia recebeu 80% do ordenado, mas nos últimos três - período máximo de extensão da licença - receberá um quarto desse valor. "Foi possível fazê-lo, mas implica um esforço."
Carina Pereira, 35 anos, a autora da petição que deu origem às propostas do Bloco de Esquerda e do PAN, passou pelo mesmo. Quando engravidou do primeiro filho, procurou informação sobre a melhor forma de o alimentar e todas as recomendações apontavam para a amamentação até aos seis meses. Mas esbarrou com a lei. "A licença de cinco não era compatível com o que diz a Organização Mundial de Saúde", contou ao DN. Gozou os cinco meses e juntou o mês de férias. Com o filho mais novo, que nasceu há um ano, Carina, subdiretora de uma escola de línguas, pediu um subsídio parental alargado durante um mês, no qual recebeu apenas os 25%, o que lhe permitiu ficar meio ano em casa. "Mas não é uma opção ao alcance de todas as famílias", frisa. Em novembro, decidiu lançar uma petição para o alargamento da licença até aos seis meses, com pagamento a 100%. Em três dias, reuniu 5500 assinaturas, o que lhe permitiu enviar a petição aos deputados.
Carina não esconde que gostava que as propostas tivessem sido votadas ontem, mas, de qualquer forma, "não foram reprovadas." "Tenho a esperança que algo possa acontecer. Vamos ver o que a comissão vai decidir. O facto de se falar no assunto já é muito importante", afirma.
No passado dia 19, a Associação Portuguesa dos Direitos da Mulher na Gravidez e no Parto tornou pública a sua posição sobre o assunto. Sara do Vale, presidente e cofundadora, diz que defende "o alargamento da licença para seis meses, com eventual aumento da licença para o pai." Além disso, sugere possibilidade de gozo de sete meses, com pagamento a 80%. "Ganhávamos bem-estar para a mãe e para o bebé. Haveria calma para desfrutar do bebé", destaca a representante. Os oito meses são uma opção para algumas famílias, mas Sandra do Vale lembra que "se falarmos do ordenado mínimo, os 25% são uma falta de respeito pelas necessidades das famílias." Além disso, frisa, "o regresso prematuro do cuidador principal ao trabalho tem consequências para o bem estar da mãe e do bebé."
Apesar de os pais ainda reclamaram a implementação de algumas medidas, estão a nascer cada vez mais bebés em Portugal. Depois de quatro anos de acentuada queda nos nascimentos, no ano passado realizaram-se quase mais dois mil testes do pezinho em Portugal (85.058, no total). Este ano, a tendência mantém-se. Em março, havia mais 3350 pessoas (34 497, no total) a receber subsídio de parentalidade do que no mesmo mês do ano passado, número que se junta aos 1300 bebés (21 mil, no total) a mais nascidos nos primeiros três meses do ano, como, segundo o Público, anunciou o Instituto Ricardo Jorge.
Maria João Valente Rosa, especialista em demografia, explica que num período de crise como aquele que o País atravessou, "muitas pessoas adiaram a decisão de ter um filho para um momento em o que o contexto fosse mais favorável."A diretora do Pordata diz que além de uma questão de confiança, "chega-se a uma idade máxima", pois há um "limite biológico para a mulher ser mãe." Quanto às medidas de incentivo à natalidade, Maria João diz que "não há uma única solução", pois é uma decisão que tem múltiplas dimensões. Com Miguel Marujo