Fundou o PS. Esteve no 25 de Abril. Assinou a adesão à CEE. "Criou" o primeiro país do séc.XXI. Está reformado e assim quer continuar
É difícil encontrar na política portuguesa personalidades que, com maior ou menor destaque, tenham participado ativamente em tantos acontecimentos verdadeiramente estruturantes da democracia portuguesa.
Jaime Gama, nascido há 68 anos nos Açores, reformado da política desde 2011 e há dias nomeado pelo Presidente da República como chanceler das antigas ordens militares, é uma delas.
Esteve na fundação do PS, em 1973, com apenas 25 anos; em 1974, participou como oficial miliciano nas operações do 25 de Abril; de 1975 a 1976 foi deputado constituinte; em 1985 foi o ministro dos Negócios Estrangeiros (MNE) que assinou a adesão de Portugal à então CEE, hoje União Europeia.
Em 1999, novamente como MNE, negociou com a Indonésia, sob a égide da ONU, o acordo que permitiria um referendo de autodeterminação que fez com que Timor-Leste se tornasse na primeira nação independente a nascer no século XXI. Formado em Filosofia, antigo jornalista (antes do 25 de Abril), só lhe faltou mesmo ser líder do PS. E assim não teve ao seu dispor o trampolim que lhe permitiria depois, eventualmente, sonhar a sério com a Presidência da República (depois de Eanes, ninguém chegou a Presidente sem antes liderar ou o PSD ou o PS).
Em 19 de dezembro de 2001, dias depois de António Guterres ter anunciado que se demitia de primeiro-ministro e de líder do PS - por causa de uma estrondosa derrota autárquica do partido - já havia uma certeza: o sucessor da continuidade no PS seria Jaime Gama.
O nome havia sido concertado num pequeno comité da cúpula socialista que integrou, entre outros, Jorge Coelho, António Costa e Ferro Rodrigues, além do próprio Guterres. Gama, que era o ministro dos Negócios Estrangeiros do governo demissionário, tinha agora tudo na mão para poder concretizar um sonho que alimentava há décadas: ser líder do PS e candidato pelo partido a primeiro-ministro nas legislativas. E sê-lo sem correr o risco de enfrentar uma candidatura interna que lhe ameaçasse as ambições. Era claro que teria a oposição da família Soares, começando pelo pai e acabando no filho. Mas o guterrismo era nesses dias, mesmo com a demissão de Guterres, uma força avassaladora no PS. Gama disse que sim.
E no dia seguinte disse que não. As razões nunca foram publicamente bem explicadas. Motivos familiares muito fortes terão justificado o surpreendente recuo de última hora. O homem que já tinha sido derrotado duas vezes em candidaturas à liderança do PS (uma contra Vítor Constâncio, em 1986, e outra contra Jorge Sampaio, em 1989) dispensou sem grandes justificações a passadeira vermelha que desta vez lhe tinham posto à frente. O pequeno comité do PS voltou a reunir e escolheu Ferro Rodrigues. Gama voltaria ao Parlamento. De 2005 a 2011, com Sócrates primeiro-ministro, foi presidente da Assembleia da República.
Politicamente, sempre foi da direita do PS. Quem o conhece desde a juventude afirma que nunca teve a menor ponta de entusiasmo pelas esquerdas à esquerda do PS. Nem as do PCP nem as ainda mais à esquerda, que no período revolucionário pós 25 de Abril mobilizaram tantos da sua geração. Na ação diplomática sempre valorizou a relação de Portugal com os EUA - um facto a que não será estranha a origem açoriana. Deixou a política ativa em 2011 e aceitou um cargo de "chairman" no BES Açores. Vai comentando a política com base regular no Observador, num programa com Jaime Nogueira Pinto e José Manuel Fernandes. Na preparação das últimas presidenciais, houve dirigentes do PS que referiram o seu nome para candidato do PS a Belém. Mandou dizer que nem pensar. Tudo o que quer agora é "fruir as coisas simples" e ser "motorista dos netos" - que são seis, filhos do seu filho, o colunista do DN João Taborda da Gama, jurista que no curto governo PSD/CDS nomeado por Cavaco Silva após últimas legislativas foi secretário de Estado do Poder Local.