Portugal manda para o lixo três piscinas olímpicas de livros escolares por ano
É o fundador do Movimento Reutilizar que o diz. Há milhares de pessoas que recorrem aos bancos de livros usados.
Antes da crise, Marta nunca tinha pensado em não comprar livros novos para o seu filho. "Nem sequer me tinha passado pela cabeça", conta a bancária, enquanto procura livros no Banco Escolar na Avenida Almirante Reis, em Lisboa.
"No ano passado utilizei o banco e neste ano também", diz. Já poupou 60 euros.
Por volta das 16h00 desta terça-feira, a fila de encarregados de educação que procuravam livros neste banco escolar – um dos 194 espalhados pelo país – era bastante longa. Na mão traziam as listas fotocopiadas dos manuais necessários para o próximo ano escolar.
"Os livros que nós usamos anualmente [em Portugal] são suficientes para encher três piscinas olímpicas de papel", afirma Henrique Cunha, fundador do Movimento Reutilizar, que gere a rede de bancos de livros. Depois de serem usados, a larga maioria vai para o lixo ou para os sótãos dos donos.
"Não é possível, não é sustentável, nem é racional, que um país pequenino como o nosso seja responsável pela destruição de tanto papel, sistematicamente", vinca.
Há 25 anos a falar do mesmo
No Banco Escolar da Almirante Reis, têm surgido "centenas" de pessoas.
"Nós trocamos livros entre as 15h00 e as 19h00 e por volta das 14h00 já estão aqui pessoas à espera", diz Paula Cascais, que, com a ajuda de voluntários – os seus filhos – passou a tarde a subir e a descer as escadas para tentar encontrar os livros em falta.
O Movimento Reutilizar, que nasceu em 2011 no Porto, já ajudou milhares de famílias e alunos e salvou do desperdício toneladas de livros – só o Banco Escolar do Porto recebeu cerca de 120 mil livros em 2013.
Mas o objectivo deste movimento é "deixar de existir". "Se cada aluno deixasse os seus livros na escola e no ano seguinte os fosse lá buscar nada disto era preciso".
"Há 25 anos" que o Conselho Nacional de Educação "aconselha que se criem bancos de livros em todas as escolas". Sem qualquer significado prático, lamenta.
O Movimento Reutilizar conta com cerca de dois mil voluntários, que ajudaram cerca de 200 mil alunos.
À falta de um sistema oficial, a iniciativa voluntária tem demonstrado que "os portugueses querem reutilizar os livros escolares".
Preciosos euros
Tal como para Marta, também para Fernanda Fernandes, de 45 anos, é o segundo ano nos bancos de livros usados.
Procurava os livros do 4º, 5º, 10º e 11º para os seus dois filhos e as suas duas enteadas. A razão? Poupar parte dos cerca de "1.200 euros" que teria de gastar em manuais escolares.
"No ano passado consegui poupar uns 40 ou 50 euros e depois ainda tive que ir comprar alguns porque a segunda ou a primeira página eram diferentes do ano anterior e o professor não aceitou", diz a técnica superior de segurança e higiene no trabalho.
Algo que acontece, aliás, muitas vezes. "Não só comigo mas com outras pessoas que recorreram ao banco. No fundo, estas pessoas acabam por estar aqui a fazer trabalho voluntário, no país inteiro, e depois acaba por se reflectir em muito pouco. Talvez mais na reciclagem e pouco mais".