S. JOÃO DO PORTO
As origens da Festa de S. João estarão ligadas à homenagem do homem ao Sol como fonte de vida. A relação mágica “terra/céu” assume desde a pré-história um papel muito importante na vida das comunidades. A Festa de S. João Baptista, festa do solstício de verão, é a marca do apogeu do curso solar e herda, assim, todos os símbolos que caracterizam a festa de origem pagã. O culto das pedras, das ervas, da água, das plantas e do fogo há muito que se alia à celebração religiosa em honra deste Santo, com benefícios destes elementos no amor, na saúde, na felicidade e na beleza.
Na cidade do Porto a noite de 23 de Junho é a noite de todas as folias, a noite maior e mais alegre do ano, em que multidões de pessoas vêm para a rua festejar o S. João, o padroeiro da cidade, dos amores e da folia. A cidade, devidamente ornamentada, vive manifestações de cariz popular, culturais e recreativas.
Os portuenses escolheram o dia 24 de Junho, dia do nascimento de S. João Baptista, como seu feriado municipal.
A Festa do S. João no Porto
S. João Baptista é um “Santo Popular”, por ser festejado na rua pelo povo. As primeiras referências às festas em homenagem a S. João no Porto são de um cronista do Rei e datam do século XIV.
Das Festas da Cidade que se realizam durante o mês de Junho, saliento a corrida de S. João, os concursos de cascatas, de montras, de rusgas e das quadras populares alusivas a este santo, as largadas dos tradicionais balões de S. João, feitos em papel de cores variadas e que, nesta noite, são cuidadosamente lançados em direcção ao céu, proporcionando um espectáculo de centenas de pontos luminosos que se deslocam velozmente entre as estrelas fixas da noite..
Por esta ocasião, as ruas enchem-se de ornamentações e iluminações festivas, barracas de petiscos, bailes ao ar livre e diversões, para que o povo festeje um S. João popular, folião, de convívio, amizade e alegria.
As fogueiras e o fogo de artificio
As fogueiras de S. João são ateadas em algumas das ruas da cidade do Porto e por cima delas saltam os foliões que assim demonstram a sua coragem e crença nas virtudes purificadoras destas, na saúde, no casamento e na felicidade.
À meia-noite do dia 23 de Junho há o tradicional “fogo de S. João”, um fogo de artifício que faz com que o povo saia à rua, dirigindo-se à Ribeira, juntando-se milhares de pessoas em ambas as margens do rio Douro, para assistir ao maior espectáculo do ano, pleno de sons, luzes e cores.
A água e as orvalhadas
A água tem uma particular função nesta festa enquanto elemento do Baptismo de Jesus por João Baptista. Traz consigo, também, apologias ao culto e a rituais pagãos. Na sabedoria popular a água dorme todas as noites, excepto na noite de S. João. Nesta noite e madrugada acredita-se que a água das orvalhadas é benta e tem o poder de curar doenças, dar beleza aos jovens e favorecer os amores.
Na Alameda das Fontaínhas há uma fonte para onde o povo se desloca na noite de 23 de Junho, entre a meia-noite e o nascer do Sol, para beber a água ou lavar-se nela.
As orvalhadas que são sentidas nesta noite de uma forma mais acentuada, já fazem parte do ritual da própria festa. A noite de S. João termina na Foz do Douro, com o povo a rumar em direcção ao mar e às praias e por lá permanecem até ao nascer do dia. Os mais ousados e mais acalorados não dispensam um banho nas águas frias do mar.
O alho-porro e o manjerico
As ervas aromáticas, também chamadas “ervas de S. João”, assumem nesta festa uma particular importância, tanto pelos benefícios que se julga trazerem à saúde, como pelas manifestações que o povo lhes atribuiu (virtudes mágicas e terapêuticas, resquícios de rituais antigos, derivados de festas romanas e célticas).
O alho-porro, ou “alho de S. João” é usado democraticamente na noite mais longa do ano para tocar e/ou dar a cheirar a quem por nós passa, desejando-se deste modo saúde, boa sorte e fortuna.
O manjerico é a erva aromática mais popular nesta festa e é comprada em qualquer parte da cidade, quer para decoração, quer para oferta. Os vasos de manjaricos são enfeitados com uma bandeirola colorida, presa por um arame, com uma ou mais quadras populares alusivas à Festa, ao Santo ou ao povo.
Devem ser “cheirados” com a mão.
O martelinho de S. João
O “martelinho de S. João”, é uma das “armas” mais recentes do arsenal de S. João. Vendem-se por toda a cidade, ao lado dos tradicionais manjericos, cravos, erva-cidreira e ”alho-porro”.
São de plástico e produzem um som próprio e característico que se ouve desde o início do dia até para além do próprio dia de S. João! São coloridos, de formas e tamanhos diferentes e escolhidos conforme a energia do folião. Servem para “bater” nas cabeças dos passantes, sem que essa demonstração provoque qualquer incómodo, apenas riso... e muitas vezes com "respostas" mais enérgicas dos visados!
A cascata
A Cascata e o Presépio estão, provavelmente, relacionadas com os solstícios de Verão e de Invernoe devem ter a mesma origem.
A água e a imagem de S. João Baptista baptizando Jesus são os elementos principais das cascatas sanjoaninas, cujo cuidado na sua construção nos mostra a devoção dos portuenses ao Santo.
Na construção das cascatas aparecem verdadeiras aldeias com casas minúsculas e caminhos traçados de areia e musgos, que são a reconstituição de lugares da cidade e costumes de outros tempos.
As figuras de barro pintadas de cores vivas são verdadeiras obras de arte popular e representam as pessoas no seu dia-a-dia, trabalhando nas suas profissões, muitas delas já desaparecidas.
Algumas das cascatas são animadas através do movimento das peças e muito enfeitadas, quer pelo colorido das luzes, quer pelas folhagens e verduras utilizadas. Variam de tamanho e não obedecem a nenhum modelo de concepção, surgindo consoante a imaginação de quem as constrói.
As crianças, com as suas modestas cascatas, erguidas em qualquer recanto, fazem o seu peditório para o Santo: “um tostãozinho para o S. João!” – dizem, empunhando o Santo em questão.
As cascatas mais conhecidas e tradicionais e que ainda subsistem nos nossos dias, são a da Alameda das Fontaínhas, local de romaria e oração e a cascata em frente aos Paços do Concelho, esta da iniciativa da Câmara Municipal.
A gastronomia
Na noite da Festa ou no dia de S. João come-se caldo verde com broa, carneiro, anho ou sardinha assada, salada de pimentos e, para sobremesa, leite-creme.
Na madrugada do dia 23 de Junho bebe-se café com leite e come-se pão com manteiga. As origens desta tradição são pouco precisas. Há quem diga que o uso do anho ou cabrito se deve à presença deste animal nas imagens de S. João, numa alusão ao cordeiro de Deus. A sardinha foi introduzida mais tarde por ser mais barata e muito abundante nesta altura do ano.
Foi recuperada a tradição do bolo de S. João, cuja receita oficial leva farinha, fermento, frutas cristalizadas, nozes, amêndoas, licor, rum, cognac a gosto e leite para amassar.
Normalmente é acompanhado com Vinho do Porto.
(Agradeço a colaboração da Milú com as suas fotografias tiradas na noitada de S. João no Porto e, mais recentemente, à Sónia pela foto do "Caldo Verde". As imagens da "Fogueira", "Balão", "S. João Fontainhas", "Alho Porro", "Manjerico" e "Cascata" e foram tiradas da Net.)
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Obrigado, Gaspar, pelo teu contributo, que publico na íntegra (os parágrafos são da minha responsabilidade):
CONTRIBUTO HISTÓRICO DO GASPAR
"Oh murcom, pega lá um complemento sobre a história do S. João do Porto, segundo o que recordo de os meus pais me contarem na minha meninice, nos anos quarenta.
Nessa época, não havia plásticos, o S. João estava limpo de martelos, o que não significava que, como sempre, essa não fosse a noitada de muitas marteladas… Fazia parte do ritual dessa festa, que remonta aos idos dos cultos pagãos da fertilidade, a compra do alho-porro inteiro (raiz, folhas, caule e flor) e dependurá-lo na principal parede da casa para dar sorte, ali ficando até ser substituído por outro no ano seguinte. Foi prática em minha casa até à minha adolescência.
Os grupos de famílias que saíam dos bairros e das ilhas a pé com destino às Fontainhas para verem a cascata do S. João compravam no caminho aos lavradores não só o tradicional alho porro, mas ainda outros vegetais simbólicos como vasos de manjerico e ramos de cidreira e de cravos.
Decorria a II Grande Guerra e havia foragidos ricos alojados no único hotel de luxo da Cidade – o Grande Hotel do Porto (o Infante de Sagres ainda não existia). A gerência colocava daquelas cadeiras de lona, tipo encenador, no passeio junto à portaria do hotel onde os hóspedes se sentavam e viam passar aquelas alegres rusgas familiares. A cada hóspede, a gerência oferecia um alho-porro. Então, as velhotas estrangeiras, sentadas e com o alho na mão, começaram a dar com a flor do alho delicadamente na cabeça dos passantes de ambos os sexos. Muitos começaram a imitá-las e em pouco tempo generalizou-se a prática de dar com o alho uns nos outros, ou a fazer passar a flor pelo nariz das moças, que retribuíam. E também o ramo de cidreira - com odor mais recomendável que o alho - se dava a cheirar.
E assim o que era um passeio alegre de todos os pontos da Cidade e arredores até às Fontainhas passou para uma divertida batalha campal pacífica.
O raio do plástico deu cabo disto tudo com os martelos fonte de sons estridentes e, por vezes, de pancadas dolorosas devido à rigidez do material.
Aprende que este murcom-jubilado não dura sempre e regista para que não se perca na memória.
Abreijos,
«;-) M. Gaspar Martins"
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