O Governo espanhol admitiu hoje travar nos tribunais as medidas antiaborto anunciadas na região de Castela e Leão, enquanto os partidos de direita e extrema-direita no executivo regional se contradizem sobre a sua obrigatoriedade para médicos e grávidas.
O executivo de Castela e Leão desencadeou uma polémica em Espanha por anunciar que vai propor às mulheres que querem abortar a possibilidade de ouvirem "o bater do coração do bebé" e de o verem numa ecografia 4D (quatro dimensões, uma ecografia tridimensional realizada em tempo real).
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A região, no noroeste de Espanha, na fronteira com Portugal, é governada pela única coligação de direita e extrema-direita em Espanha, uma aliança dos partidos PP (Partido Popular) e VOX.
O anúncio de medidas "pró-vida" foi feito na quinta-feira, numa conferência de imprensa do vice-presidente do governo regional, Juan García-Gallardo, do VOX (extrema-direita), que afirmou que as propostas resultam dos acordos que em 2022 levaram à formação da coligação no executivo.
García-Gallardo reiterou hoje aquilo que anunciou na semana passada, sublinhando que os médicos terão de "dar a possibilidade de darem a informação" às grávidas que querem abortar, embora as mulheres não sejam obrigadas a nada.
Horas mais tarde, o presidente do executivo regional, Alfonso Fernández Mañueco, do PP, numa declaração pública, corrigiu García-Gallardo e argumentou que "não se obrigará a nada" médicos e grávidas.
Segundo Mañueco, o que alegadamente hoje entrou em vigor são procedimentos para "melhorar e modernizar" os serviços prestados a grávidas, que não alteram protocolos sanitários atuais nem violam as leis do Estado espanhol relativas à interrupção voluntária da gravidez.
As novas medidas não foram ainda publicadas oficialmente ou enviadas aos médicos da região e o presidente do executivo regional também não deu mais pormenores, garantindo apenas que serão sempre seguidos "critérios clínicos" e que não apoia nem vai adotar procedimentos que possam traduzir-se "numa coação direta ou indireta" às mulheres.
As medidas têm estado no centro da atenção mediática em Espanha desde quinta-feira à tarde, com partidos políticos, associações de defesa dos direitos das mulheres e de médicos, entre ouras vozes, a condenarem o que foi anunciado em Castela e Leão.
No domingo à noite, o Governo espanhol, uma coligação do Partido Socialista (PSOE) e da plataforma de extrema-esquerda Unidas Podemos, enviou um requerimento ao executivo de Castela e Leão a solicitar informações sobre as novas medidas e a avisar para não serem aplicadas, por entender que podem violar a legislação nacional e extravasar as competências autonómicas.
Hoje, a ministra da Saúde, Carolina Darias, disse que o Governo espanhol está disposto a recorrer à justiça para travar as medidas, que considerou poderem ser "um passo atrás nos direitos das mulheres" que o executivo nacional não permitirá.
A divisão entre VOX e PP em Castela e Leão chegou hoje também ao nível nacional.
A direção nacional do PP, através de um porta-voz, demarcou-se dos anúncios do vice-presidente de Castela e Leão e considerou que o VOX, com "iniciativas absolutamente insensíveis" como esta consegue apenas "ruído mediático", que os socialistas agradecem, por serem uma distração de polémicas que têm o Governo central como alvo.
A 'número dois' do partido, Cuca Gamarra, garantiu que as mulheres terão sempre os seus direitos garantidos onde houver um governo do PP.
Já um dirigente nacional do VOX, Ignacio Garriga, defendeu hoje as medidas anunciadas na quinta-feira e disse que são "um exemplo" daquilo que poderá acontecer noutros governos se o partido entrar em mais coligações na sequência das eleições deste ano em Espanha (regionais em 28 de maio e nacionais no final de 2023).