Bastonário classifica declarações de chefe do Governo, em conversa privada filmada, de "infelizes" e "ofensivas".
António Costa e Miguel Guimarães poderão enterrar o machado de guerra hoje de manhã, após uma semana de troca de acusações entre o Governo e a Ordem dos Médicos (OM). O primeiro-ministro aceitou o desafio do bastonário, que pediu uma reunião "de urgência" devido ao vídeo de uma conversa privada em que Costa chamou "cobardes" aos clínicos que acompanharam o surto no lar de Reguengos de Monsaraz, e que está a deixar a classe em polvorosa.
Ao encontro em São Bento, que acontece pelas 9 horas, Guimarães assumiu que ruma com o objetivo de "que este mal-estar possa ser sanado e resolvido rapidamente". "Precisamos de fechar este dossiê e de nos concentrar naquilo que é importante", defendeu ontem, no final de uma reunião do Fórum Médico, o órgão que junta todas as estruturas representativas dos médicos.
Apesar de ter considerado "um sinal positivo" o facto de Costa ter aceitado em poucas horas sentar-se à mesma mesa, o bastonário voltou a frisar que não existiu "nenhuma recusa" dos clínicos que foram enviados pela Administração Regional de Saúde (ARS) do Alentejo para auxiliar os idosos no lar de Reguengos. Mais: a OM tem legitimidade para realizar auditorias como a que levou a cabo àquele surto de covid-19, que começou a 17 de junho e matou 18 pessoas na instituição e comunidade.
"Os médicos de família protestaram e alguns de forma veemente. E bem. Porque não tinham as condições adequadas para tratar daqueles idosos", frisou, pela manhã, depois de se reunir com a União das Misericórdias, no Porto, onde apontou que as declarações de Costa "foram infelizes" e "ofenderam os médicos".
Mas o secretário de Estado da Saúde fez questão de subscrever a interpretação do chefe do Governo, ao avisar que a OM "não tem poder de fiscalização ou de inspeção". "O dever da Ordem dos Médicos é regular e monitorizar o exercício de atividade dos seus profissionais", disse Lacerda Sales.
DECLARAÇÕES "CHOCANTES"
O choque provocado no setor pelos sete segundos de conversa de Costa com os jornalistas do "Expresso" [ler ao lado] levou a Federação Nacional dos Médicos a pedir a Costa que se retrate. "Estas declarações, proferidas por um chefe de Governo, são chocantes e totalmente inapropriadas, insultando de forma vergonhosa e indigna todo um grupo profissional", transmitiu, num comunicado.
Já a Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar classificou as declarações de "extemporâneas, infundadas e altamente lesivas da dignidade dos médicos de família".
PERGUNTA E RESPOSTA
Em que consiste o vídeo de António Costa?
Após a entrevista, o primeiro-ministro disse aos dois jornalistas: "O presidente da ARS mandou para lá os médicos para fazer o que lhes competia. E os gajos, cobardes, não fizeram". São sete segundos de vídeo.
Como vieram a público essas imagens?
O "Expresso" explicou que o vídeo estava no lote de "planos de corte" enviados às TV. Ao aperceber-se que havia som no vídeo, o semanário pediu que não fosse usado. As televisões assim fizeram, mas alguém pulverizou o vídeo nas redes, alegadamente editado de forma a ser audível o que é dito por Costa.
Trata-se de declarações "off the record"?
Seria uma conversa informal de Costa, que não saberia que estava a ser filmado. O "off the record" é informação transmitida numa relação de confiança entre a fonte e o jornalista, que se compromete a não divulgar aquilo que lhe é dito. É a fonte que deve assinalar que está a falar "off the record". O "Expresso" invoca o artigo 7.º do Código Deontológico dos Jornalistas (CDJ) para referir-se a Costa como fonte.
É lícito obter imagens sem o visado saber?
O artigo 4.º do CDJ estabelece que "o jornalista deve utilizar meios leais para obter informações, imagens ou documentos". Já o artigo 196.º do Código Penal prevê uma pena de prisão até um ano para quem "tenha tomado conhecimento" pela sua profissão de um segredo e prejudicar alguém ou o Estado. A pena é agravada se a difusão for feita pela Comunicação Social e Internet.