Vice-primeiro-ministro rompeu a coligação com o Movimento 5 Estrelas, 14 meses depois de tomar posse.
"Não é ao senhor Salvini que compete decidir sobre a altura da crise" e o trabalho de um Governo "não se faz na praia". Giuseppe Conte falou quinta-feira à noite, feito raro, como o primeiro-ministro que é há um ano e dois meses. Respondia ao pedido de eleições antecipadas emitido por um dos elementos da coligação governamental, Matteo Salvini, patrão da Liga, de extrema-direita, que tem gasto o verão numa "tournée de praias" em festas-comício em tronco nu. Conte pedia ao vice-primeiro-ministro rebelde uma clarificação pública do que o movia e lembrava-lhe que é no Parlamento que as crises se debatem, em transparência.
Em comunicado, Salvini alegara antes a manifesta falta de maioria - entenda-se consenso - com o parceiro de coligação, o populista Movimento 5 Estrelas (M5S) de Luigi Di Maio. Sexta-feira, anuiu ao primeiro-ministro e afundou a crise: a Liga apresentou ao Parlamento em férias uma moção de censura a Conte, que deverá ainda levar dias a ser votada - nunca antes de 20 de agosto.
A jogada de Conte prendia-se com o facto, aventado na Imprensa italiana, de que Salvini tentou forçar uma remodelação, num encontro anteontem, antes de lançar a bomba das eleições antecipadas. A Liga teria pedido o afastamento de forças de bloqueio, como o ministro dos Transporte, oposto à linha de alta velocidade Turim-Lyon (França), a da Defesa (obstáculo ao controlo marítimo) e o da Economia, demasiado pró-europeu aos olhos de Salvini.
A aceitação por Conte era impossível, sob o risco de esvaziar a coligação. Salvini sabê-lo-ia. Restou a implosão. A instabilidade política era previsível: o sui generis executivo "amarelo-verde" (das cores, respetivamente, do M5S e da Liga) desde cedo revelou-se incapaz de acomodar dois partidos tão diferentes em praticamente tudo. E famigerada linha Turim-Lyon foi a gota de água.
Sonhada por Salvini, na ânsia das grandes obras para chamar investimento (apesar de Bruxelas explicar que isso afunda défices e afastar Roma dos limites europeus), era rejeitada pelo M5S. "A Itália não precisa de ministros que bloqueiam as obras públicas", resumiu o líder da Liga, anteontem à noite, numa praia do Adriático.
Agora, Conte sabe que está no fim. Alegadamente independente, era simpatizante do M5S antes de ser escolhido para o Governo. Não terá mais ninguém com ele. Nem fora do Parlamento.
A queda do M5S
O partido antissistema institucionalizou-se e esqueceu lutas antigas, aceitou grandes obras que rejeitava - até perceber a erosão das bases e recusar o TGV. Aceitou o reforço das restrições à imigração personificado por Salvini e rejeitado por senadores seus e apoiou uma amnistia fiscal para impedir a fuga de capitais. Tudo longe da transparência anticorrupção que deu estrelato ao M5S - e que valerá a saída de cena de Di Maio, deputado desde 2003, porque o partido fixa a regra do limite de dois mandatos.
O movimento ficou com as pastas menos visíveis, perdeu palco e nem a aprovação de um rendimento mínimo cidadão teve grande eco. Perdeu a aposta e o lugar no poder. A não ser que o presidente - que tem na mão o poder de convocar eleições - refaça o Governo com base no Parlamento resultante das legislativas de março de 2018. E aí o M5S tinha uma maioria clara: 33% contra 17% da Liga. Que se inverteu.