Governo em brasa, ataques da Oposição, reunião de emergência do Conselho de Administração da TAP, e administradores nomeados pelo Estado convocados para dar explicações.
Este foi o resultado da decisão da gestão da TAP de pagar prémios de desempenho a 180 funcionários, num total de 1,171 milhões de euros, incluindo dois de 110 mil a dois quadros superiores. Uma reação que, mesmo num ano em que a companhia teve prejuízos de 118 milhões, surpreendeu o CEO da TAP.
"Esse plano de prémios poderia até ter sido maior, se tivéssemos tido lucros e não há nada de errado nisso", defendeu Antonoaldo Neves, explicando que a TAP tem hoje uma "cultura de meritocracia", transparente e objetiva, que prevê prémios todos os anos para quem os mereça. "É esta cultura que a faz crescer e gerar rendimento em Portugal. Estou muito seguro daquilo que a TAP tem feito e de como tem evoluído e os trabalhadores merecem o reconhecimento", disse o CEO, lembrando que todos os anos a empresa paga quase 703 milhões de euros aos seus mais de 10 mil trabalhadores.
O Governo reagiu mal à notícia, com António Costa a chegar a afirmar que o modelo de distribuição de prémios decidido pela Comissão Executiva da TAP é "incompatível com os padrões de sobriedade" que devem existir em participadas do Estado. Afirmando não ter sabido da distribuição de prémios antes de esta acontecer, Pedro Nuno Santos, ministro do Planeamento, considerou que a atitude da gestão "constitui uma quebra da relação de confiança entre a Comissão Executiva e o maior acionista da TAP, o Estado português". Acontece que o maior acionista da TAP não tem poder de gestão na companhia.
Recorde-se que a transportadora aérea portuguesa foi vendida em 2015 e, um ano mais tarde, o atual Governo negociou a reversão desse processo, recuperando 50% das ações. Essa metade do bolo, porém, confere-lhe apenas 5% dos direitos económicos da companhia. Significa isto que o acordo assinado manteve o poder executivo, ou seja, todas as decisões de gestão, nas mãos do consórcio de David Neeleman e Humberto Pedrosa (que detém 45% do capital, sendo os restantes 5% dos trabalhadores).
A gestão é privada, sem intervenção do Estado - à exceção de um possível voto de qualidade do chairman (Miguel Frasquilho), nas reuniões da Administração.
"O Estado tem responsabilidades significativas (...), mas uma intervenção muito limitada", avisou em 2018 o Tribunal de Contas, na sua análise à recompra da companhia pelo Estado. No acordo assinado com o Governo, o que se garantiu não foi poder de decisão na gestão, mas a representação do Estado no Conselho de Administração. Nenhum dos seis representantes que o Governo sentou na companhia tem poder executivo.
PERGUNTAS E RESPOSTAS
Quando é que a TAP foi privatizada?
Depois da tentativa falhada de vender a TAP à Swissair, em 1998, a privatização acabou por avançar em 2011, no âmbito da lista das empresas a privatizar elaborada pelo Governo do PSD/CDS, liderado por Pedro Passos Coelho, para cumprir uma das exigências da troika e do seu plano de ajustamento financeiro. O processo culminou em novembro de 2015, no final da legislatura, com a formalização da venda de 61% do capital da TAP ao consórcio Atlantic Gatway, do português Humberto Pedrosa e do norte-americano David Neeleman, depois de a proposta do empresário Germán Efromovich também ter ficado pelo caminho por alegada falta de garantias. O consórcio vencedor pagou 338 milhões de euros na privatização e foi assumida a dívida de 600 milhões de euros da empresa.
Quando é que a companhia de aviação reverteu para o Estado?
Uma das primeiras medidas anunciadas pelo Governo socialista de António Costa quando chegou ao poder, no final de 2015, foi alterar o modelo de venda da TAP, para que o Estado elevasse a sua participação de 39% para 50% do capital da transportadora, através da Parpública, mudança que se acertou entre as partes em fevereiro de 2016. O grupo privado ficou com 45% do capital, tendo "sobrado" uma reserva de 5% para os trabalhadores, operação que viria a concretizar-se em 2017.
Quais são os poderes do Estado na companhia?
Na nova estrutura acionista da TAP, o Estado, detentor de 50% do capital, passou a ter direito de veto em questões estratégicas. O reequilíbrio de forças no capital deu ao Estado voto de qualidade no Conselho de Administração, mas é o consórcio Atlantic Gateway que toma as decisões operacionais e nomeia a gestão executiva da TAP.
O Estado pode decidir sobre os prémios de gestão na transportadora aérea nacional?
O Estado não tem poderes executivos na companhia. Quando se deu o processo de reversão da privatização, o Estado ficou com 50% das ações, mas apenas 5% do poder, o que significa que a gestão é praticamente toda do consórcio privado de acionistas a quem cabe a gestão corrente da companhia, nomeadamente no que aos prémios diz respeito, uma vez que não se trata de uma questão estratégica.