Uma equipa de médicos regressados este sábado de uma missão de um mês na Cidade da Beira, em Moçambique, fortemente afetada pelos ciclones Idai e Kenneth, diz que "as pessoas esqueceram" a região, passada a fase de emergência.
"Não podemos esquecer a Beira. As pessoas esqueceram um bocado, passou a fase da emergência e aquilo que ficou depois da emergência é tão preocupante e importante como aquilo que aconteceu na fase de emergência", disse à Lusa Fernanda Santos, chefe da equipa médica que regressou hoje de uma missão promovida pela Ordem dos Médicos, pela Health4Moz e pelo Instituto Camões na província de Sofala, centro de Moçambique.
Há muito trabalho a fazer na reconstrução "daquela cidade, daqueles serviços de saúde até o regresso à normalidade. É preciso as pessoas não esquecerem. A fase de emergência foi importante, mobilizou muita gente, mas a fase de reconstrução é ainda mais importante", acrescentou a líder da equipa, promotora do movimento #unidospelabeira.
"Em termos mediáticos há sempre coisas com impacto a acontecer e as pessoas deixam de falar. E nós não podemos esquecer. Aquelas pessoas vão continuar a precisar de ajuda por muito tempo", reforçou a médica, acrescentando que "muitas ONG" já se "foram embora, porque foram na fase de emergência, mas é preciso que outras continuem a ir".
A equipa deslocou-se à Cidade da Beira numa fase de pós-emergência, para apoiar nos esforços de recuperação e de reconstrução, sobretudo no Hospital Central da Beira, que ficou sem o bloco cirúrgico e outros serviços, mas também numa missão a Dombe, uma localidade a 280 quilómetros da Beira, ainda na província de Sofala.
"Trabalhámos com os colegas nas enfermarias, na parte de reorganização de serviços e de recuperação e, como era uma equipa muito especializada, foi feita também muita formação, além de dois cursos, um de investigação em saúde e outro de fisioterapia. Foi uma missão cheia", explicou Fernanda Santos.
Integraram a equipa que agora regressou a Portugal dois infecciologistas, dois pediatras, um cirurgião, três médicos de saúde pública e dois enfermeiros.
A chefe da equipa diz ter encontrado o Hospital da Beira "com muitas carências e dificuldades, a maior parte dos serviços sem água" e "também muita falta de material", que "vai chegando aos poucos".
"Neste momento, o prioritário é a água e a reconstrução da cobertura do hospital e dos serviços de cirurgia. A cirurgia está a funcionar num local precário com fortes carências", acrescentou a médica.
A Health4Moz comprometeu-se a fazer a recuperação do hospital por inteiro, já começou a trabalhar em três pavilhões -- no bloco cirúrgico, que foi o mais atingido pelo ciclone Idai, no banco de sangue e na imagiologia.
A recuperação do hospital será feita por fases, uma vez que "os serviços não podem deixar de funcionar completamente", o que levanta desafios de funcionalidade e de logística, indicou Fernanda Santos.
A Cidade da Beira foi hoje palco do encerramento da Conferência Internacional de Doadores, um evento de dois dias, que resultou na angariação de 1,2 mil milhões de dólares (cerca de mil milhões de euros) dos 3,2 mil milhões necessários para o projeto de reconstrução dos pontos afetados pelos ciclones Idai e Kenneth.
A conferência foi organizada pelo Gabinete de Reconstrução Pós Ciclone Idai, em parceria com Banco Mundial, União Europeia, Nações Unidas e Banco Africano de Desenvolvimento.
Dados oficiais indicam que para a reconstrução das zonas afetadas pelos dois ciclones é necessário um total de 3,2 mil milhões de dólares (cerca de 2,87 mil milhões de euros). A reconstrução dos estragos provocados pela passagem do Idai absorverá um pouco mais de três mil milhões de dólares (2,6 mil milhões de euros).
O ciclone Idai atingiu o centro de Moçambique em março, provocou 603 mortos e afetou cerca de 1,5 milhões de pessoas, sendo que a cidade da Beira, uma das principais do país, foi severamente afetada.
O ciclone Kenneth, que se abateu sobre o norte do país em abril, matou 45 pessoas e afetou 250 mil pessoas.