A antiga procuradora-geral da República revelou esta terça-feira que a Polícia Judiciária Militar (PJM) atuou de forma ilegal no processo do material militar furtado em Tancos, em 2017.
A PJM "fez diligências" e prosseguiu uma "investigação criminal quando não tinha competência para isso", pois "estava entregue à PJ [Polícia Judiciária]", afirmou Joana Marques Vidal na comissão de inquérito ao furto de Tancos, na Assembleia da República, em Lisboa.
Ao longo da audição, a procuradora em funções à data do furto chegou a dizer, por diversas vezes, que os inspetores da PJM "não têm formação", não conhecem o Código de Processo Penal "nem interiorizaram" qual a sua missão nesta investigação, que era liderada pela PJ e pelo Ministério Público.
"Denota alguma leitura não adequada da lei e das suas obrigações", afirmou a antiga procuradora-geral da República (2012-2018), recordando que a PJM é um órgão de polícia criminal que "tem de obedecer ao Ministério Público nos processos em que intervém", o que não aconteceu.
Joana Marques Vidal relatou que, no dia em que se soube do reaparecimento de parte do material furtado, que soube através do comunicado da PJM, tentou por diversas vezes contactar o diretor desta polícia, Luís Vieira.
Tanto Marques Vidal como Amadeu Guerra, à data diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal, tentaram falar com Luís Vieira, deixando recados na sede da polícia, ligando para o telemóvel ou através de 'SMS', sem sucesso.
Por isso, Joana Marques Vidal ligou ao então ministro da Defesa Nacional, Azeredo Lopes, para protestar contra a atitude de Luís Vieira.
Azeredo Lopes, que "estava bastante feliz por terem aparecido as armas", disse-lhe que "ia ter isso em atenção", o protesto, e que iria falar com o militar que dirigia a PJM e mais tarde detido no processo.
A antiga procuradora não sabe o resultado das diligências do antigo ministro, mas sabe que nunca Luís Vieira lhe devolveu a chamada, nem a ela nem a Amadeu Guerra, confessou.
"Nem nesse dia nem nunca", descreveu.
Marques Vidal questiona existência de PJ Militar
A antiga procuradora-geral da República questionou a existência da PJM, afirmando que deve ser feito "um estudo mais aprofundado" sobre a sua função.
"Deve avaliar-se a necessidade de existência da PJM", admitiu Marques Vidal, numa audição na comissão de inquérito ao furto de material militar de Tancos, em junho de 2017, durante a qual criticou o comportamento desta polícia, tutelada pelo Ministério da Defesa, na forma como agiu na investigação.
Para a ex-procuradora-geral, "talvez fosse útil haver um estudo mais aprofundado" sobre a PJM e até uma discussão "mais substancial" para "repensar aquilo que é a tipificação dos crimes militares".
"Não vejo que haja qualquer especialidade para serem investigados por um órgão de polícia criminal. Há uma deficiência de formação dos elementos de constituem a PJM, não tem interiorizado o Código de Processo Penal", declarou na audição de quase duas horas e meia.
Joana Marques Vidal chegou a dizer que os elementos da PJM "confundem as suas obediências próprias" com hierarquias militares e as funções da PJM.
O furto do material militar, entre granadas, explosivos e munições, dos paióis de Tancos foi noticiado em 29 de junho de 2017 e parte do equipamento foi recuperado quatro meses depois.
O caso ganhou importantes desenvolvimentos em 2018, tendo sido detidos, numa operação do Ministério Público e da Polícia Judiciária, sete militares da Polícia Judiciária Militar e da GNR, suspeitos de terem forjado a recuperação do material em conivência com o presumível autor do crime.
Este processo levou à demissão, em 2018, do ministro da Defesa Nacional, José Azeredo Lopes, e do chefe do Estado-Maior do Exército, general Rovisco Duarte.
A comissão de inquérito para apurar as responsabilidades políticas no furto de material militar em Tancos, pedida pelo CDS-PP, vai decorrer até junho de 2019, depois de o parlamento prolongar os trabalhos por mais 90 dias.
Na sua audição na comissão de inquérito, em março, Rovisco Duarte garantiu que não se demitiu por causa do furto de Tancos e negou ter recebido pressões da parte do Governo para exonerar os cinco comandantes das unidades responsáveis pela segurança dos paióis.