Processo informático da escolha de Carlos Alexandre sem rasto eletrónico. Ministério da Justiça garante que não há intervenção humana no "apagão".
O Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) possui uma versão antiquada da aplicação informática Citius e foi isso que originou o "apagão" do rasto eletrónico da distribuição ao juiz Carlos Alexandre, a 9 de setembro de 2014, do inquérito Operação Marquês, no qual o ex-primeiro-ministro José Sócrates é o principal arguido. Esta foi a resposta do Instituto de Gestão Financeira e dos Equipamentos da Justiça (IGFEJ, dependente do Ministério da Justiça) ao juiz Ivo Rosa, que procura saber os contornos do desaparecimento.
Em ofício enviado para o processo, ao qual o JN teve acesso, o IGFEJ responde que a situação (apagão eletrónico) "resultou do comportamento do sistema, sem ação/intervenção humana". Isto é, não há responsáveis.
Em causa está apurar - recorde-se - se ocorreu violação do princípio do "juiz natural" quando, a 9 de setembro de 2014, foi fixado que o juiz Carlos Alexandre seria o titular do caso. Esta alegação consta nos requerimentos de abertura de instrução de Armando Vara, ex-ministro e administrador da Caixa Geral de Depósitos e Millennium-bcp, e de Sócrates.
Estes arguidos entendem que houve ilegal "atribuição" direta do caso ao juiz, não tendo havido distribuição eletrónica e aleatória (por sorteio), a qual era obrigatória desde 1 de setembro de 2014, pois entrou em vigor uma nova lei da organização judiciária. A partir daquela data, o Tribunal Central de Instrução Criminal passou a ter dois juízes (deixando de ter apenas um), com a entrada de João Bártolo.
Vara e Sócrates - secundados por outros acusados - requerem ao juiz Ivo Rosa a declaração de nulidade dos atos praticados pelo juiz Carlos Alexandre a partir de 9 de setembro de 2014, o que, a acontecer, pode implicar um forte abalo no processo, por colocar em causa a validade das diligências autorizadas ou presididas pelo "superjuiz". Questionando o IGFEJ através dos despachos proferidos, Ivo Rosa tem manifestado interesse em averiguar a situação, mas não tomou uma posição.
Recorde-se que Sócrates, Carlos Santos Silva e outros arguidos foram detidos no fim de novembro de 2014 (mês e meio após a atribuição do processo nas mãos do juiz), vindo a ser-lhes aplicada prisão preventiva.
Registo removido
Na resposta a Ivo Rosa, o IGFEJ explicou que o processo Marquês deixou de constar no mapa de distribuição na fase de inquérito porque a versão do Citius instalada no DCIAP está "muito desatualizada por razões que ultrapassam o IGFEJ". O instituto que gere os sistemas informáticos da justiça refere que o registo de 9 de setembro de 2014 foi removido, devido à "desatualização" do programa. A situação ainda se verifica, mas apenas neste departamento nacional especializado nos mais graves casos de crime económico-financeiro, organizado e violento.
Os arguidos foram notificados desta resposta e poderão agora pronunciar-se. A Procuradoria-Geral da República abriu um inquérito-crime a propósito do alegado "apagão" da distribuição do caso a Carlos Alexandre.
DISTRIBUIÇÃO
Processo dos Vistos Gold não perdeu o rasto
A distribuição eletrónica, a 9 de setembro de 2014, da Operação Marquês não consta numa listagem dos inquéritos oriundos do Departamento Central de Investigação e Ação Penal e enviados para o Tribunal Central de Instrução Criminal, o que levou o juiz Ivo Rosa a pedir esclarecimentos ao IGFEJ. Porém, permanece por explicar o facto de, na mesma listagem, constar o caso dos Vistos Gold, investigado naquele mesmo departamento do Ministério Público e tramitado, ao nível do juiz, no Tribunal Central, com distribuição no mesmo dia.