Em 2018, pelo menos 512 pessoas morreram nas estradas portuguesas. Pelo segundo ano consecutivo, o número de vítimas mortais aumentou, quebrando uma tendência com 30 anos.
É preciso recuar até 1996 para se encontrar dois anos seguidos com uma subida do número de mortes. O Governo diz estar preocupado, mas tarda em tirar do papel medidas como a redução da velocidade nas localidades, as inspeções obrigatórias para motociclos ou o controlo do uso de telemóveis ao volante.
Estas e outras medidas de redução da sinistralidade foram anunciadas há quase um ano, após a reunião da Comissão Interministerial para a Segurança Rodoviária, criada com o Plano Estratégico Nacional de Segurança Rodoviária, o PENSE 2020. Hoje, pouco se avançou, deixando cada vez mais longínqua a meta prevista no plano: chegar a 2020 com 399 mortes nos 30 dias após o acidente. Em 2017, neste prazo de 30 dias, morreram 602 pessoas.
Para continuar a cortar nas mortes na estrada, seriam necessárias medidas de muito curto prazo, concordam José Miguel Trigoso, da Prevenção Rodoviária Portuguesa, e João Queiroz, da Estrada Mais Segura. "Temos tido planos e estratégias, mas a passagem do papel para realidade é uma parte do problema", diz João Queiroz, assegurando que é "baixíssima" a taxa de cumprimento da Estratégia Nacional de Segurança Rodoviária, em vigor até 2015.
Sem medidas concretas, e com o efeito da crise económica a desvanecer-se, é de esperar mais sinistralidade rodoviária. "Nos anos da crise, houve menos pessoas na estrada, velocidades mais moderadas e menos jovens a comprar carro. Agora que existe a perceção de que a crise acabou, o efeito deixa de se sentir", disse.
É portanto necessário passar à ação, diz José Miguel Trigoso. Primeiro, promover campanhas, não de sensibilização, mas que levem peões e condutores a alterar o comportamento. Em paralelo, ter uma fiscalização eficaz e garantir punições gravosas o suficiente para convencer os portugueses que a lei deve ser cumprida. Para isso, acrescenta João Queiroz, é preciso "coragem política", o que diz não existir, "nem neste Governo nem nos anteriores".
Faltam dados da PSP
Até 2016, Portugal conseguiu um dos melhores resultados da União Europeia. O número de mortes diminuiu de forma sustentada, entre 1997 e 2016, quando se lamentaram 445 vítimas mortais no local do acidente ou a caminho do hospital. Todavia, em 2017, o número subiu para 510 e, em 2018, para 512. O número real pode ser superior, já que a PSP ainda não divulgou os dados na sua área de intervenção.
Ao JN, a Administração Interna assegura que "os números não se agravaram, apesar do aumento significativo do tráfego", e salienta ter publicado um Programa de Proteção Pedonal e de Combate aos Atropelamentos e organizado campanhas de sensibilização, como o "Júnior Seguro on Road" e a "Festas Seguras 2018".
Para este ano, o Governo pretende lançar um Concurso Plurianual de Prevenção e Segurança Rodoviária, para projetos inovadores de prevenção e segurança, e aumentar o investimento na segurança das estradas.
A carta por pontos, que arrancou em junho de 2016, está a tirar cada vez mais condutores da estrada. Nos dois primeiros anos, até junho de 2018, só 57 pessoas ficaram sem carta e 157 perderam os 12 pontos dados inicialmente, pelo que a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária iniciou o processo de cassação do documento. Mas na segunda metade do ano passado o ritmo acelerou. O mais recente balanço aponta para 118 pessoas sem carta de condução e cerca de 500 outros condutores com zero pontos. A evolução leva o Ministério da Administração Interna a afirmar que "em 2018 a carta por pontos apresentou um melhor desempenho" do que até então.
Saber mais
Bloqueio de telemóvel - O uso de aparelhos eletrónicos ao volante é tão perigoso quanto o consumo de álcool, e o Governo chegou a admitir bloquear o sinal de telemóvel nas estradas, mas não avançou. A medida, todavia, só resolveria parte do problema, já que os carros estão cada vez mais equipados com ecrãs.
Drones e velocidade - Outra hipótese já colocada é a de usar drones e helicópteros para controlar a velocidade nas estradas - medida também no papel. Quanto aos radares de controlo de velocidade, no ano passado foram ativados os oito equipamentos da VCI, no Porto, e dois foram instalados na EN 118. O Governo quer mais 50 radares na rede em 2019.
Redução da velocidade - É dentro das localidades que a sinistralidade é mais negra, mas a redução da velocidade para 30 quilómetros por hora, admitida pelo Governo, ainda está em execução. A Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária avaliou 120 pontos negros nas Comunidades Intermunicipais da Lezíria do Tejo, Médio Tejo, Algarve e Leiria, mas serão os municípios a elaborar os respetivos planos. Continuam em curso contactos para alargar o programa ao Alentejo.
Inspeções a motos - Desde 2012, a lei obriga a inspeções obrigatórias a motos com cilindrada superior a 250 centímetros cúbicos, mas nunca foi regulamentada. Em janeiro, o Governo prometeu que avançaria até junho de 2018, mas o anúncio foi recebido com fortes protestos pela comunidade motard e nunca se concretizou. Em 2022, passarão a ser obrigatórias em toda a União Europeia.
Até 125 cc só com carta - Outra medida ainda no papel é o regresso da carta obrigatória para conduzir motos até 125 cc (hoje, basta ter a carta de ligeiros). O Governo queria dar experiência prática aos condutores, antes de passarem das quatro para as duas rodas, mas a proposta ainda não avançou.