Durante 20 anos, uma mulher foi agredida pelo marido. Nunca apresentou queixa e, nas vezes em que teve de receber tratamento hospitalar, alegou que os ferimentos eram consequência de um qualquer acidente.
Na véspera de Natal, a vítima, de 48 anos, voltou a ser atacada e, temendo pela vida, refugiou-se, com os dois filhos, no posto da GNR de Paços de Ferreira, onde o agressor, de 50 anos, se dirigiu para, em frente aos militares, prometer matar a esposa. Acabou detido e colocado em prisão preventiva.
As duas décadas de casamento foram sempre violentas. O vendedor de serrim para estábulos não se ficava pelas ameaças constantes à mulher e agredia-a de forma muito regular. Chegou a partir-lhe a cana do nariz, a atirar-lhe pedras e uma torradeira à cabeça e a queimá-la com canja de galinha a ferver.
Noutras situações, tentou estrangulá-la, mas a vítima sofreu sempre em silêncio, sem denunciar os crimes às autoridades. Quando os ferimentos assim o permitiam, tratava-se em casa, calada e sozinha. Nos casos mais graves, como quando ficou queimada com a sopa, chegou a dirigir-se ao hospital, mas nunca denunciou o marido. Preferiu sempre descrever um acidente doméstico, inventado para a ocasião, e regressar a casa sem identificar o autor dos ataques.
Filho tentou defender a mãe
Na véspera de Natal, mulher, marido e o filho de 12 anos reuniram-se para o tradicional jantar e contaram com a companhia do filho mais velho, emigrante de volta à terra para celebrar as festividades. Tudo parecia correr bem, mas o empresário voltou a bater na esposa. No entanto, desta vez, contou com a oposição do filho mais velho que, para proteger a mãe, se envolveu em confrontos com o pai.
Pouco habituado a ser contrariado, o homem aumentou os níveis de violência, levando toda a família a temer pela própria vida. Sem outro refúgio, mãe e os dois filhos fugiram para o posto da GNR de Paços de Ferreira, onde contaram tudo o que tinha acabado de acontecer e pediram, pela primeira vez, proteção.
Rapidamente a vítima e o filho mais novo foram colocados numa casa-abrigo, longe do empresário, mas este não desistiu de os procurar. Na manhã de Natal, o vendedor de serrim dirigiu-se ao posto da Guarda para exigir que lhe dissessem o paradeiro da família. Perante o silêncio e a recusa dos militares, garantiu-lhes que havia de assassinar a mulher. Repetiu a ameaça aos elementos do Núcleo de Investigação e Apoio a Vítimas Específicas (NIAVE) da GNR de Penafiel, entretanto chamados a intervir, e foi detido. Após ser interrogado pelo juiz de instrução criminal, foi colocado em prisão preventiva.
Pormenores
Armas apreendidas - Durante a busca feita a casa do empresário, os militares do NIAVE encontraram duas caçadeiras usadas pelo agressor. As armas, que chegaram a ser utilizadas para ameaçar a família, foram apreendidas.
Acionada linha de emergência - No posto da GNR de Paços de Ferreira foi acionado, através da Linha Nacional de Emergência Social 144, o mecanismo de apoio a vítimas de violência doméstica. E foram os técnicos desta linha de apoio que providenciaram a colocação das vítimas numa casa-abrigo.
Militares impressionados - Apesar de ter sido agredida ao longo de 20 anos de casamento, só na véspera de Natal é que a mulher revelou que era vítima de violência doméstica. As agressões descritas deixaram impressionados os militares da GNR, mesmo os mais habituados a casos semelhantes.
Estatísticas negras
24 mulheres assassinadas entre janeiro e novembro de 2018 (mais seis do que em 2017, no mesmo período), segundo o relatório intercalar da União de Mulheres Alternativa e Resposta. Foram registadas também 16 tentativas.
50% das vítimas já tinha sofrido violência doméstica na sua relação com o agressor. Em três dos homicídios existia denúncia apresentada, em cinco não e em 16 não existe informação sobre este fator.