Eltânia André, Marcelo Moutinho e Marta Barbosa Stephens são três dos autores de "Perdidas - Histórias para crianças que não têm vez", um livro que relata as mortes trágicas de menores silenciados por balas perdidas no Brasil.
A violência e a insegurança, argumentos que mais influenciam o voto nas presidenciais brasileiras deste domingo, foram o mote para uma conversa com estes escritores, naturais do segundo país do Mundo onde, calcula a Unicef, há mais homicídios de adolescentes, sobretudo negros.
"Não vamos reduzir a criminalidade enquanto perdurar o abismo social que construímos ao longo da história", afirma Marcelo Moutinho. Escritor e jornalista, considera ainda fundamental debater a possibilidade de legalizar as drogas e atacar a corrupção nas polícias e no Estado.
"Na guerra travada atualmente morrem criminosos, policiais e cidadãos sem ligação com o crime, quase sempre jovens, negros e pobres. Está claro que a estratégia não funcionou. Talvez seja a hora de trocar a lógica do conflito permanente pela inteligência."
Para Marcelo Moutinho, as milícias também contribuem para o clima de violência no Brasil, sobretudo no Rio de Janeiro. "Temos, hoje, verdadeiros estados paralelos, dominando áreas imensas, com leis próprias, comando autoritário sobre a comunidade e economia garantida pela alta demanda por drogas".
Apartheid entre classes
Antes de se mudar para Portugal, há dois anos, Eltânia André vivia em S. Paulo, onde assistiu ao crescimento gradual da criminalidade. "A violência criou um apartheid entre classes, crescimento das cidades sem planeamento, submissão à mentalidade escravocrata, acesso clandestino às armas, descrença no Estado e na Justiça", garante a escritora e psicóloga.
"Outro ponto agravante é a crença no discurso salvacionista, pseudomoralista e aterrador que vem sendo disseminado, de que é preciso matar para combater a violência", denuncia Eltânia André. "Bandido morto é bandido bom, segundo essa lógica perversa que tentam impingir à consciência nacional. Agora, o que define o alvo: o lugar onde moram, a pobreza, a miséria, o desespero?"
Melhoria do ensino, educação e cultura para todos, salário justo para professores, potencialização do Sistema Único de Saúde, criação de oportunidades de emprego, e redução da ineficiência da segurança pública são medidas que a psicóloga considera essenciais para combater a criminalidade, através de "políticas efetivas e continuadas", independentemente do partido no governe.
"As Unidades de Polícia Pacificadora não pacificaram as favelas do Rio de Janeiro, dominadas pelo tráfico, e o exército nas ruas do Rio de Janeiro não reduziu os níveis de violência. As mortes continuam alimentando gráficos", denuncia Eltânia André, que foi ela própria vítima de "um sequestro relâmpago bem traumático".
A viver em Inglaterra há quatro anos, Marta Barbosa Stephens acredita que o problema da violência no Brasil se explica "pela desigualdade social, pelo total abandono da educação pública, pela corrupção em absolutamente todas as esferas da sociedade e a impunidade que isso gera".