Fan Bingbing, a atriz mais famosa e mais bem paga celebridade da China, desapareceu no início de julho, para ressurgir apenas três meses depois. A misteriosa ausência da estrela espoletou uma série de teorias da conspiração. Estaria exilada? Teria sido raptada? Detida pelo governo? Ou um suposto caso amoroso com o vice-presidente do país - como se especulou - tê-la ia forçado a esconder-se dos radares do público? As versões abundam mas nenhuma foi confirmada. Para já, sabe-se uma razão que a levou a desaparecer.
Não havia sinais de Fan Bingbing desde 1 de julho, quando a atriz internacional de 36 anos, presença assídua no Festival de Cannes, visitou um hospital pediátrico em Pequim, segundo o "South China Morning Post", jornal de língua inglesa com sede em Hong Kong. Depois disso, mais ninguém lhe poria os olhos em cima nem a acompanharia nas redes sociais, até à passada segunda-feira, quando foi vista em público, pela primeira vez em três meses, a sair do aeroporto internacional de Pequim.
O desaparecimento daquela que foi considerada pela revista Forbes a atriz mais bem paga da China no ano passado (com ganhos estimados em 39 milhões de euros) ocorreu cerca de um mês depois de um apresentador de televisão ter levantado a suspeita de que Bingbing estaria ligada a um esquema de fuga ao fisco. O também jornalista Cui Yongyuan, figura controversa da TV chinesa, que inaugurou uma forma mais descontraída de aparecer no pequeno ecrã, é conhecido por vazar informações sobre contratos ilícitos na indústria cinematográfica do país e poderá ter contribuído para a retirada de Fan dos holofotes.
Em meados de julho, o jornalista de investigação Li Weiao, vencedor de prémios na área, divulgou no "The Economic Observer" que Fan Bingbing e o irmão mais novo, Fan Chengcheng, tinham sido impedidos de sair do país, por estarem envolvidos num alegado esquema de evasão fiscal. Citando uma fonte não identificada, aquele jornal noticiou que as autoridades estavam a investigar as suspeitas desde o final de junho. A história, amplamente partilhada depois de publicada, foi eliminada do site do semanário uma hora depois. Entretanto, de acordo com o site de notícias nova-iorquino "Business Insider", o governo chinês proibiu os órgãos de comunicação estatais de publicarem notícias sobre a atriz.
Em vídeos publicados online, o bilionário chinês Guo Wengui, a viver nos EUA por incompatibilidade com o governo de Xi Jinping, levantou a tese de que a atriz manteria uma relação secreta com o vice-presidente chinês, na altura que precedeu o seu desaparecimento. E foi mais longe, acrescentando que Fan desapareceu "porque alguém a queria calar" e não por causa de uma alegada evasão fiscal. Segundo relatou o "The Mail", no domingo, citando documentos judiciais, a atriz tê-lo-á processado por difamação.
Fan Bingbing no Festival de Cannes de 2018
Atriz admitiu fuga ao fisco
Os enredos cinematográficos que foram surgindo em torno das razões para o desaparecimento da atriz foram, na semana passada, finalmente dissipados. Foi através de uma carta aberta publicada na rede social Weibo, o parente chinês do Twitter, onde a atriz tem 62 milhões de seguidores, que Fan ressurgiu e emitiu um comunicado explicativo da sua ausência, que mais soou a um pedido de desculpas forçado.
Expressando "profunda vergonha e tristeza", Fan admitiu que, durante anos, não apresentou ao fisco o seu vencimento real, através da prática dos chamados "contratosyin-yang", esquema de evasão fiscal em que se declara um contrato com valor mais baixo, enquanto outro com valor mais elevado é pago por baixo da mesa. O tabloide "Global Times" já tinha avançado que a atriz teria assinado dois contratos para o mesmo filme: um no qual receberia 10 milhões de yuan (cerca de 1,25 milhões de euros) e outro no qual receberia para 50 milhões de yuan (6,26 milhões de euros).
Como consequência, a estrela foi condenada a pagar 892 milhões de yuans(113 milhões de euros) por evasão fiscal e outros crimes.
As ações pelas quais se desculpou não foram apenas um "erro pessoal", mas também uma "traição" à nação, considerou. "Devo o meu sucesso ao apoio do meu país e do seu povo. Sem as grandes políticas do Partido Comunista Chinês e do país, sem o amor do povo, não haveria Fan Bingbing", escreveu na nota, lamentando não ter colocado os interesses do Estado à frente dos seus. Em suma, um discurso em torno das ideias de responsabilidade social e dever patriótico, marcado pela assunção de culpa e falha ao país.
A linguagem, que legitima a ideia de texto encomendado, uma vez que poderia bem ter sido retirada dos discursos dos governantes chineses, foi comparada pela revista "The New Yorker" às autocríticas que os contrarrevolucionários do tempo da Revolução Cultural, que durou de 1966 a 76, eram forçados a escrever sob pena de tortura ou morte.
Paradeiro desconhecido
Sobre o paradeiro de Fan Bingbing durante o tempo que esteve afastada do público, não há certezas. Segundo o "South China Morning Post", Fan Bingbing poderá ter estado detida na província costeira de Jiangsu, num regime de detenção habitualmente aplicado a suspeitos de corrupção e dissidentes políticos. Mas as autoridades chinesas não se pronunciaram.
Filme cancelado
Quando desapareceu, Fan Bingbing preparava-se para o lançamento do seu mais recente trabalho, um drama sobre a II Guerra Mundial cujas filmagens já estavam concluídas e que seria lançado a 26 de outubro. "Air Strike", que contava com participações dos norte-americanos Bruce Willis e Adrien Brody, vencedor de um Oscar em 2002, foi entretanto cancelado. O cancelamento foi anunciado na quarta-feira pelo realizador, sem especificar razões. Xiao Feng escreveu no Weibo que era "hora de deixar ir".
Num país de crescimento económico desenfreado, em que a evasão fiscal é excessiva entre os mais ricos, não foi o suposto delito da atriz que chamou a atenção do público, foi sim a forma surpreendente como o seu caso foi tratado. Isto porque contrariou o histórico de desaparecimentos de ativistas de direitos humanos e dissidentes políticos, cujas ausências tendem a atrair pouca atenção no país.
Quem é Fan Bingbing: da casa humilde no leste da China até Hollywood
Fan Bingbing no Festival de Cannes de 2010
Fan nasceu em 1981, no seio de uma família humilde na cidade chinesa de Qingdao, no leste. Cresceu durante os anos da "reforma e abertura" de Deng Xiaoping, marcados por políticas liberais e pró-empreendedorismo que apresentaram oportunidades culturais e económicas que levaram alguns a grandes patamares de fama e fortuna. "Não preciso de me casar dentro de uma família rica. Eu sou a minha própria família rica", gabava-se Fan.
Aos 33 anos, a chinesa era a quarta atriz mais bem paga do mundo, colada às norte-americanas Angelina Jolie e Julia Roberts, e à frente de Jenniffer Lawrence. Além do papel de destaque na indústria cinematográfica da China, Fan, presença assídua no Festival anual de Cannes, logrou rumar aos Estados Unidos, onde integrou produções de Hollywood, tendo participado na série "X-Men" e no filme de ficção científica "Iron Man 3". A par do grande ecrã, os grandes outdoors publicitários nas ruas. Contratada para ser embaixadora de marcas como a Louis Vitton, a Cartier e a Mercedes-Benz, a omnipresença da sua imagem é apenas comparada à de Xi Jinping.